20.7.23

A dança das marcas para os seniores

André Rito, in Expresso

Consumo: hoje com um mercado de 220 milhões de pessoas acima dos 50 anos na Europa, as marcas começam a ajustar estratégias de marketing e publicidade para este target. Só em 2020, a população com mais idade gastou €15 biliões em produtos ligados à saúde e bem-estar

Depois de uma longa carreira como bailarina, aos 70 anos Kimberley Ribeiro começou a fazer publicidade como modelo sénior. Já tinha feito trabalhos pontuais como modelo para algumas marcas, mas foi para as Águas Monchique que realizou uma das suas campanhas com maior visibilidade. A idade era precisamente o ponto que a marca queria destacar: uma garrafa de água sem rótulo, que pretendia chamar a atenção do segmento acima dos 50 anos. “Era uma forma de chegar a este público, integrando um modelo que normalmente não aparece nos anúncios publicitários,”, afirma a bailarina que ingressou na Companhia Nacional de Bailado desde a sua fundação, em 1977.

Embora seja um produto transversal em termos de idade, a marca de água algarvia tem um posicionamento especial, dedicado a um público acima dos 50. “Temos a consciência da importância da água num estilo de vida saudável. O corpo humano é composto por 70% de água, mas à medida que envelhecemos maior é a necessidade de nos hidratarmos. Em idades mais avançadas, passamos de 70 por cento da água para 50. A hidratação nestas idades é fundamental para combater este défice”, diz Vítor Gonçalves, presidente executivo das Águas Monchique.

Vítor Gonçalves fez uma aposta forte neste segmento de mercado sénior, até porque é nestas idades que os resultados são mais visíveis. “O sucesso da marca começa nos idosos graças aos efeitos imediatos que tem no seu bem-estar. Por essa razão, a nossa comunicação começou a estar muito segmentada e orientada para os maiores de idade, embora também façamos uma aposta forte nos mais jovens, que hoje também se preocupam com a saúde. Diria que 50% dos nossos clientes têm mais de 50 anos. Que é quando começamos a ter preocupações acrescidas de saúde.”

Com um mercado de 220 milhões de pessoas só na Europa, este segmento de mercado tem atraído cada vez mais marcas. A transição demográfica que está a ocorrer em todo o mundo — sobretudo no mundo ocidental — virou a agulha das marcas, que apostam cada vez mais em produtos e campanhas com foco na longevidade. Existe toda uma indústria ligada aos suplementos alimentares, relacionada com saúde, cosmética, beleza e bem-estar. Razão suficiente para as próprias campanhas de marketing estarem a mudar devido à influência da idade, adaptando-se assim ao consumo. Só em 2020 a população acima dos 50 anos gastou mais de €15 biliões em produtos.

“Tipicamente, o marketing segue as pessoas e o dinheiro”, começa por dizer Ricardo Miranda, fundador e diretor criativo da agência Wonder/why. “É óbvio que os temas da longevidade têm cada vez mais mercado, até porque a publicidade também acompanha a demografia. E se as pessoas mais velhas não apareciam tradicionalmente nos anúncios, hoje, essa realidade está a mudar. Existe aqui uma oportunidade de fazer diferente e as marcas gostam desse caminho da diferença.”

Baby boomers

Com um portfólio de produtos para todas as idades, a L’Óreal tem feito também uma forte aposta no mercado acima dos 50 anos. “É a faixa etária que mais cresce, criando um enorme um potencial para o grupo”, afirma Gonçalo Nascimento, country coordinator da L’Oréal Portugal. “Atualmente, a percentagem de boomers [pessoas nascidas nas décadas de 40 a 60 do século passado] é de 25% da população em Portugal e em 2040 será de 31%, o que faz com que sejamos o terceiro país mais envelhecido da Europa. São, portanto, um target estrategicamente relevante.”

Foi por essa razão que a marca decidiu apostar nas embaixadoras mais seniores, como a atriz norte-americana Jane Fonda ou a cantora portuguesa Simone de Oliveira. “Temos mulheres reais, inspiradoras, empoderadas e que envelheceram de forma ativa e resolvida. São mulheres com que as portuguesas se identificam e com as quais conseguimos trabalhar o conceito ‘A idade é uma escolha’. A Jane Fonda e a Simone de Oliveira são apenas um exemplo disso. Mas temos outros, como a Helen Mirren, ou mesmo a Andie MacDowell, que são exemplos de pessoas que nos acompanharam em várias fases de maturidade, tal como gostaríamos que acontecesse com as nossas consumidoras. A Andie quando começou a criar campanhas com a L’Oréal Paris estava nos 45 anos e, hoje, comunica em campanhas para pele madura.”

Pedro Pimentel, presidente da Centromarca — Associação Portuguesa de Empresas e Produtos de Marca, resume de forma simples a aposta das marcas no segmento acima dos 50 anos: “É onde está o dinheiro.” “Não se trata apenas de uma questão demográfica. Esta é a população com mais qualidade de vida. A questão demográfica está na agenda e as marcas também refletem essa realidade”, afirma.

É sobretudo através da saúde que muitas marcas têm feito o seu caminho para chegar às populações mais seniores. Um exemplo paradigmático é a marca de iogurtes Danone, que desenvolve produtos que existem nos grandes supermercados mas também em farmácias. “O espectro da nutrição vai desde o nascimento até à morte”, afirma Paulo Santos, responsável da marca por nutrição especializada. A Danone tem vários produtos com fins medicinais direcionados para todas as idades, mas com especial enfoque nos mais velhos. Tratam-se de produtos da família dos suplementos alimentares, eficazes, por exemplo, no combate ao colesterol e na promoção do envelhecimento saudável. Do ponto de vista do negócio, “esta categoria de produtos mais voltada para os idosos representa em Portugal um mercado de €10 milhões”.

A Lindor — do grupo alemão Hartmann — desenvolve produtos para a incontinência. “Um mercado de €80 milhões em Portugal”, diz Claus Essling, líder do grupo em Portugal, que tem também um portfólio específico para farmácias. “O mercado em que operamos está a crescer perto de 5% por ano e a nossa marca vale no mercado perto de 10 milhões anuais.”
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P&R

Quantas pessoas vivem na Europa com mais de 50 anos?

Segundo um estudo da Comissão Europeia, em 2015 havia quase 200 milhões de pessoas com 50 anos ou mais, o que equivale a 39% da população europeia. Mas as projeções vão mais longe: espera-se que em 2025 o número atinja os 222 milhões de pessoas, o que corresponde a 43% da população total da Europa.

É possível avaliar o potencial mercado da terceira idade?

Em 2015, a Comissão Europeia fixou um valor base de €3,7 triliões para a chamada economia prateada, tendo como ponto de partida investimentos privados desta franja da população, em serviços, bens, habitação e saúde. Estima-se que esta economia possa crescer anualmente cerca de 5%, atingindo os €5,7 triliões em 2025.

Quais são as principais áreas de consumo da população acima dos 50 anos?

A saúde é definitivamente a área onde esta população mais gasta dinheiro (cerca de 54% dos cuidados totais prestados). A habitação, a alimentação, os transportes dominam as despesas desta faixa etária, representando cerca de €1,6 mil milhões do consumo privado dos idosos. Existem, no entanto, vários mercados europeus, mas fora do espaço da UE, com receitas anuais superiores a €150 mil milhões, como o do vestuário, da restauração e mobiliário de casa. No oposto estão os gastos com educação: apenas 28% do consumo total.

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Longevidade

É o ano dois do projeto que o Expresso lançou em 2022, com o apoio da Fidelidade e da Novartis. Durante o ano vamos olhar para os desafios da longevidade que se colocam às pessoas, às comunidades, às empresas e ao Estado. Agora que vamos viver mais anos, a meta é chegarmos novos a velhos.



Textos originalmente publicados no Expresso de 7 de julho de 2023