5.7.23

O Mediterrâneo é dos mares mais poluídos por plástico e isso pode levar à extinção de milhares de aves marinhas

Carla Tomás, in Expresso

Apesar de ainda não ser a principal causa de morte das aves marinhas, a poluição por plástico pode exterminar espécies de aves já em estado crítico de conservação, alerta um novo estudo internacional

O plástico é uma ameaça crescente nos mares e, se não fizermos nada para inverter esta situação, pode ser a machadada final em espécies como a pardela-balear, o painho e outras aves marinhas”, frisa ao Expresso Maria Dias, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). E o Mediterrâneo “é a região de maior risco a nível global, seguida do Mar Negro”, aponta a bióloga, que coordenou o estudo sobre o risco de exposição ao plástico por aves marinhas, esta terça-feira publicado na revista científica “Nature Communications”.


Uma das aves marinhas que mais preocupa a investigadora é a pardela-balear, que nidifica nas ilhas Baleares e passa grande parte do ano na costa portuguesa, por estar já criticamente ameaçada. Esta espécie de dorso castanho-acinzentado e ventre branco-acastanhado, com uma envergadura de asas de quase um metro, é a ave marinha mais ameaçada da Europa e encontra-se classificada como “criticamente em perigo”.

Ao alimentar-se de pequenos peixes como o biqueirão e a sardinha, de chocos, lulas e de rejeições de embarcações de pesca, acaba por ser vítima acidental das artes de pesca que se tornaram a sua principal ameaça. Atualmente estima-se que existam cerca de 20 mil exemplares desta espécie que maioritariamente migra entre o Mediterrâneo e a costa Norte portuguesa, em cujos cabos e promontórios de refugia, com maiores concentrações na Nazaré e em Aveiro.

“A captura acidental nas artes de pesca tem sido a principal ameaça, mas a crescente poluição marinha por plástico pode mesmo levar esta e outras espécies de aves marinhas, que percorrem grandes distâncias durante a alimentação e a migração, à extinção”, reforça a investigadora. Com milhões de toneladas de plástico a irem parar aos oceanos, maioritariamente com origem em terra, (mas um terço rejeitados por embarcações no mar), o problema tem crescido e “a forma de inverter a situação é acabar com o uso de plásticos de uso único e fiscalizar a forma como o lixo é descartado”, defende.

Os mais de sete mil exemplares de 77 espécies de aves marinhas analisadas no estudo, iniciado em 2019, foram identificadas e pousar em locais com grande concentração de plástico no Mediterrâneo, no Mar Negro, no Noroeste e Nordeste do Pacífico, no Atlântico Sul e no Sudoeste do Índico.

Para compilar os dados de locais tão remotos, o estudo contou com a colaboração de 18 cientistas portugueses (quatro da FCUL) e duas centenas de outros espalhados pelo mundo. “Conseguimos perceber que quando se sobrepõem uma alta concentração de aves e de plástico, o risco é muito maior não só pela ingestão de plástico como pelo emaranhamento nas redes”, explica Maria Dias, reforçando que entre as zonas mais perigosas para as aves surge assim o Mediterrâneo.

A investigadora sublinha também que “investigações como esta permitem compreender este conflito entre a vida selvagem e as concentrações de plástico, assim como direcionar a investigação e a mitigação”.

A investigação começou em 2019 quando Maria Dias, atualmente professora do Departamento de Biologia Animal da FCUL, trabalhava na organização não governamental Birdlife International, que se mantém como líder do projeto financiado por fundos europeus. Entre os investigadores portugueses que colaboraram no estudo estão também José Pedro Granadeiro, investigador do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), Mónica Correia Silva, investigadora do cE3c, e Teresa Catry, investigadora do CESAM.