Sérgio Aníbal, in Público
Nas subidas de taxas de juro realizadas pelo Banco Central Europeu, os efeitos negativos na economia portuguesa demoraram a fazer-se sentir. Acontecerá o mesmo agora?
Nas duas ocasiões do passado em que o Banco Central Europeu (BCE) pôs em prática uma subida prolongada e acentuada das suas taxas de juro, os efeitos negativos na economia portuguesa demoraram pelo menos dois anos a fazerem-se notar de forma clara e já num cenário de crise generalizada no resto da Europa. Um sinal de alerta para aquilo que pode ainda acontecer nos próximos meses, numa altura em que, apesar da subida dos juros, a economia portuguesa continua para já a crescer, com uma taxa de desemprego baixa e sem sinais sérios de aumento do crédito malparado.
Em geral, é inevitável: quando um banco central sobe as suas taxas de juro de forma acentuada, as consequências são menos crescimento, com uma possível recessão, um aumento do desemprego e uma maior frequência de episódios de incumprimento na amortização dos empréstimos por parte das empresas e das famílias. No entanto, este tipo de impactos da política monetária na economia não é sentido de forma imediata.
Isto é evidente nos dados da economia portuguesa desde que a divisa oficial passou a ser o euro e o banco central o BCE, a partir de 1999. Antes da escalada de taxas de juro a que estamos neste momento a assistir, existiram dois episódios de subidas significativas do custo de financiamento na zona euro.
O primeiro teve início em Outubro de 1999. Nessa data, com Wim Duisenberg na presidência e as previsões de inflação para a zona euro a apontarem para subidas para valores acima de 2% no ano 2000, o BCE iniciou uma série de aumentos das taxas de juro, que durou um ano e que elevou as taxas de juro de referência do banco central em 2,25 pontos percentuais. As taxas de juro mantiveram-se depois a um nível elevado, acima de 3%, até ao final de 2001.
A economia portuguesa, que, quando em Frankfurt se começou a subir taxas de juro, estava ainda a passar pela forte expansão motivada pela entrada do país na zona euro das taxas de juro mais baixas, continuou a registar durante mais algum tempo taxas de crescimento elevadas. Apenas na segunda metade de 2001, um ano após o fim da subida dos juros, começou a abrandar, e apenas passado mais um ano, na segunda metade de 2002, se entrou em recessão técnica, num período em que a confiança dos consumidores entrou em queda com o “pântano político” de António Guterres e o “país em tanga” de Durão Barroso.
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No resto da zona euro, a economia ainda cresceu quase 4% em 2000, abrandando depois de forma significativa em 2001 e 2002, ano em que quase estagnou. Esta travagem na Europa foi mais um factor a afectar o desempenho da economia portuguesa, que se reflectiu também no mercado de trabalho.
A taxa de desemprego em Portugal, que estava ligeiramente acima de 5% quando o BCE começou a subir as taxas de juro em Outubro de 1999, manteve-se perto desses valores até ao final de 2001, elevando-se ao longo de 2002 para perto de 8%.
Nos indicadores relativos à percentagem de crédito considerado malparado, não se nota, nem no momento da subida das taxas de juro nem nos anos seguintes, qualquer alteração significativa.
O segundo período de subida de taxas de juro aconteceu já com Jean-Claude Trichet na presidência do BCE. Começou em Dezembro de 2005, durou ano e meio e conduziu a uma subida das taxas de juro de referência do banco central de dois pontos percentuais.
Tal como tinha acontecido no episódio anterior, foi preciso esperar algum tempo, já depois de as taxas de juro atingirem o seu pico, para observar uma travagem da economia portuguesa, com o correspondente aumento do desemprego. De facto, só em meados de 2008, numa altura em que a economia mundial já vivia um clima de instabilidade acentuada devido ao colapso do mercado subprime nos EUA, é que Portugal entrou em recessão técnica.
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Desta vez, num cenário em que logo à partida a taxa de desemprego já estava acima de 9%, superando um pouco mais tarde os 10%, foi também evidente, a partir de 2007, uma subida acentuada do rácio de crédito malparado, revelando as dificuldades que as famílias e as empresas portuguesas tiveram para fazer face aos seus compromissos com os bancos.
Agora, o ciclo de subida das taxas de juro a que estamos a assistir por parte do BCE – com Christine Lagarde no comando – é muito mais forte do que os anteriores. A ter de enfrentar a inflação mais alta das últimas quatro décadas na Europa, o banco central decidiu, em Julho do ano passado, começar a subir as taxas de juro, fazendo-o a um ritmo nunca visto.
Nos últimos 12 meses, a taxa de juro de depósito do BCE passou dos 0,5% negativos em que se encontravam já há três anos para 3,5%. E, com toda a probabilidade, não deverá ficar por aqui. Na reunião agendada para o final deste mês de Julho, espera-se uma nova subida, para 3,75%, sendo depois possível, consoante a evolução dos dados económicos, que novas subidas ocorram.
A economia portuguesa tem vários motivos para se preocupar com os efeitos desta subida de taxas. As suas empresas e famílias, embora com uma situação melhor do que a vivida há alguns anos, ainda apresentam níveis de endividamento relativamente altos, e o facto de a maior parte dos empréstimos ter sido concedida a taxas de juro variáveis faz com que o impacto das decisões tomadas pelo BCE chegue mais rápido ao valor das prestações pagas pelos portugueses.
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Há algumas explicações para esta resistência da economia. Uma delas é a possibilidade que algumas famílias tiveram de poder usar poupanças que acumularam durante a pandemia, mas o principal motivo pode estar mesmo, tal como aconteceu no passado, no facto de os impactos da política monetária na economia e no emprego demorarem sempre algum tempo a fazer-se sentir. A experiência a nível internacional é a de que esta diferença de tempo entre a acção da política monetária e o efeito na economia pode situar-se entre um e dois anos.
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Christine Lagarde e a maioria dos responsáveis do conselho de governadores do BCE têm, contudo, uma opinião diferente: a de que, neste momento, o risco de fazer de menos para combater a inflação supera o risco de fazer de mais.