22.7.07

"No actual globalismo,Portugal não é periférico"

Daniel Deusdado/Farol de Ideias, in Jornal de Notícias

Adriano Moreira lembra que Portugal está no ponto de articulação do Atlântico Norte com o Sul


Os portugueses já se sentem europeus?

Adriano Moreira|Essa pergunta é muito frequente, rodeada de equívocos, porque Portugal foi sempre europeu. Logo na primeira dinastia, a política de casamentos foi sempre europeia, destinada a fortalecer o poder nascente. Também o apoio externo que foi pedido, foi ¬o da Santa Sé. Portugal esteve em todas as expansões da Europa. Depois há questões que dizem respeito a modelos políticos e Portugal -- com frequência -teve modelos que não acompanharam as revoluções e reformas europeias. Mas não foi o único. Agora, julgo que na História houve sempre um problema o país precisou sempre de apoio externo para apoiar a sua soberania. Esse apoio foi procurado sempre na Europa. Não foi só na Santa Sé, o mais tradicional foi o apoio da aliança inglesa. Logo que, em 1974, acabou o império, Portugal defrontou-se com o problema secular do apoio externo. Nessa altura, não havia escolha: o apoio era a Europa. Não havia outra escolha que não fosse aderir à Europa. E foi o que Portugal fez.

Acha que a ideia implícita da ausência de um "sentimento europeu" se deve ao facto de ainda estarmos "atrasados"?

A população não participa suficientemente nas decisões e o processo europeu está a desenvolver-se de uma maneira em que os parlamentos nacionais não participam no desenvolvimento dessas interdependências. Por esta distância -- que é tão frequente e que as abstenções eleitorais mostram, assim como o teor dos comentários de descrédito em relação a vários sectores da administração --, fazem com que a população esteja a atravessar um período que já é demorado, em que conhece mais o processo europeu pelas consequências do que pelas causas ou por ter dado o seu acordo aos procedimentos. Isso é assim na agricultura. Os nossos antigos camponeses, por exemplo, conhecem o que aconteceu pelos efeitos, mas não compreendem e não foram informados do processo.

Os portugueses sentem-se devidamente enquadrados perante a Europa? O sentimento europeu é maioritário e pacífico?

A política europeia tem sido em grande parte furtiva. Uma política que se passa no desconhecimento do eleitorado, sem a participação dos parlamentos nacionais. Passa-se com muito pouca intimidade da população em relação a mudanças que alteram completamente tradições e paradigmas da sociedade civil e do Estado. Isso não tem sido suficientemente tratado nem eficaz. Há uma parte da população, a mais informada, mais envolvida no processo europeu, que tem opiniões próprias, não é um conjunto que esteja ali para aceitar o que lhe propõem. Também tem atitude crítica e tem criatividade. Acho que isso aumentou, designadamente nas universidades onde há muita gente a tratar dessas matérias com seriedade, mas a generalidade da população julgo que ainda vive longe desses problemas.

Como olha para o futuro da Europa?

Voltar ao conceito da Euráfrica para uma Europa tão carente e dependente das energias, de matérias primas e da mão-de-obra, é um projecto que é consistente. Tem pés na realidade actual e nós o que podemos é desejar-lhe êxito. Outro aspecto em que também estão portugueses envolvidos é o que diz respeito ao pacifismo do encontro das civilizações onde está o Dr. Sampaio com grandes responsabilidades e também a parte que diz respeito aos problemas do PNUD (da Organização para o Desenvolvimento Humano Sustentado) onde o Eng.º Guterres tem grandes responsabilidades. Estes três pontos, onde há intervenção de portugueses, sem deixar de falar da Comissão Europeia, são pontos que dizem respeito ao futuro da Europa e é animador que haja pensamento português envolvido, porque isso ajuda a consolidar a consciência de sermos europeus.

O que é que Portugal tem para trazer à questão do Atlântico e à questão de África?

Bom, devo dizer que num globalismo custa-me encontrar esse conceito político de periferia. Mas, dando-lhe algum sentido, Portugal não é periférico. Portugal, nesta organização globalizada - ou, em maior rigor mundializada à procura de uma globalização --, está num ponto de articulação e desafio. Portugal está, em primeiro lugar, no ponto de articulação da segurança do Atlântico Norte com o Atlântico Sul. Que precisa de ser organizada. Portugal está num ponto de articulação com o projecto de fronteiras pacíficas de todo o mediterrâneo para a Europa. Um país que tem estes desafios não tem o sossego dos periféricos. Agora tem que ter capacidade governativa para responder. Essa capacidade tem de assentar naturalmente mais no talento do que na força.