27.7.07

O Norte e os milhões de Bruxelas

Luís Ramos, Professor da UTAD, in Jornal de Notícias

Apresentado, há alguns meses, com pompa e circunstância, perante uma multidão de autarcas, deputados, funcionários públicos e jornalistas que acorreu ao santuário político Luso, o Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) está já envolto numa nuvem de polémica que teima em não assentar. Por várias razões.

Em primeiro lugar, porque os atrasos sucessivos estão a deixar os seus potenciais beneficiários à beira de um ataque de nervos. Embora o seu arranque formal estivesse previsto para o dia 1 de Janeiro de 2007, só algumas semanas depois é que a proposta governamental seguiu para Bruxelas, tendo decorrido desde então as respectivas negociações e aguardando-se agora a regulamentação dos vários programas e medidas. Na melhor das hipóteses, só lá para o final do ano começarão a ser feitas as primeiras candidaturas e o mais certo é que os primeiros financiamentos não cheguem ao seu destino antes do início do próximo ano. Não é pois de estranhar que a ansiedade cresça nas autarquias, nos institutos públicos, nos ministérios e nas direcções gerais, nas empresas de todo o tipo, desde as da construção e obras públicas até às do sector turístico, nos bancos, etc. Algumas vozes denunciam estes atrasos, insinuando, por vezes, que se trata de uma golpada descarada para ajustar o ciclo dos investimentos ao próximo ciclo eleitoral. Será?

Em segundo lugar, porque muitos se interrogam sobre a forma e os critérios de distribuição territorial dos 21,5 mil milhões de Euros que a União Europeia colocará à disposição do nosso país nos próximos 7 anos. As regiões com um PIB superior aos 75% da média europeia (Lisboa e Vale do Tejo, Algarve e Madeira), receberão uma pequena fatia do bolo, cuja "parte do leão" será partilhada pelas outras (Norte, Centro, Alentejo e Açores). Mas parece que as coisas são, na realidade, mais obscuras e complicadas. Se não fosse assim, o Presidente da CCDR Norte não se sentiria na obrigação de vir a público reclamar para a região, 8,1 mil milhões de euros, no mínimo. É que, ao que parece, existem fundadas e evidentes suspeitas de que o Governo pretende reservar uma parte substancial dos milhões de Bruxelas para financiar uma lista muito selectiva de grandes projectos, definida com critérios, no mínimo, muito discutíveis, canalizando para os programas regionais o financiamento de outros projectos de natureza e interesse claramente nacional.

Finalmente, em terceiro lugar, porque o modelo escolhido para a sua gestão, centralista e burocratizado, não só contraria o discurso oficial como também ignora ou despreza a experiência acumulada nos últimos anos. Com efeito, tudo, ou quase tudo, passará a ser decidido em Lisboa por três iluminados Ministros e mais o seu séquito de Gestores, Chefes de Projecto, Assessores, etc. Ora, num país onde os favores ou o patrocínio do Estado central já são de si desmedidos, este é um cenário assustador e que alimenta os piores receios quanto aos erros, ao desperdício e ao favoritismo que se poderão vir a produzir no seio de uma administração labiríntica e cada vez mais distante do país real. Sendo esta, como se diz, a última grande oportunidade para o Norte recuperar parte do seu atraso crónico em matéria de desenvolvimento social e económico, existem razões sérias para estarmos preocupados. Será que a vamos desperdiçar?