24.9.10

O mundo mudou e a Europa parece que não sabe

Fernando Braga de Matos, in Jornal de Negócios

A República dos maravilhosos paradoxos OpiniãoO mundo mudou e a Europa parece que não sabe VER MAIS(Onde o autor argumenta que a nossa velha e boa Europa tem que mudar porque o mundo não espera e, enquanto se queixa da competição desleal, esta avança impiedosamente e escarnece de escrúpulos desajustados porque hipócritas e irrealistas).

A economia mundial cresceu na última década à media de quase 4% ao ano, mesmo com a Grande Recessão, enquanto para a Europa (em particular Portugal) se tratou de uma década perdida, anunciando até que nos encontramos numa tendência e não num circunstancialismo passageiro. O que vemos e devassamos para o futuro é envelhecimento, desemprego endémico, privilégios teimosamente conservados, perda de competitividade, embrulhados num conservadorismo perdedor em confronto com o sangue novo da iniciativa no mundo. A Estratégia de Lisboa, que radiosamente prometia a Europa como região mais competitiva do mundo, esbarrou no compacto muro da realidade e no cepticismo dos que meteram as mãos à obra sem palavras grandiloquentes proferidas em jantares de iguarias. Os pobres decidiram deixar de ser pobres e o trabalho duro que atrai capital é a receita do sucesso. Agora não há lugares cativos, tudo está em questão, e quem age como a velha nobreza do Antigo Regime terá o destino que esta teve.

Em particular, o baixo ou nulo crescimento económico, o alto desemprego e o endividamento galopante minam a nossa vida actual e tornam o futuro cinzento para os nossos descendentes. E como não há-de ser assim? Com as deslocalizações, o emprego voa e não á compensado pela criação de tarefas com maior incorporação de valor, tanto mais que os países que nos tiram os empregos não estão a dormir e vão subindo rapidamente nos escalões que até há pouco estavam exclusivamente reservados aos desenvolvidos. A inovação e a alta tecnologia ainda são activos vigentes, mas, na zona das vantagens, a distância encurta.

Por sua vez, o talento e o risco fogem para novas oportunidades (não confundir com o nosso programa de mesmo nome, porque, desta vez, não estou aqui para dizer piadas) algures por toda a parte, e as nossas fontes de aprendizagem são "assaltadas" de todo o lado, com alunos ávidos de sede de aprender e que não conhecem as complacências da doce vida ocidental. Se se recusa o prémio aos que mais produzem e se desvia para os que por não querem (excluímos os que não podem) e recebem propendas e vantagens adquiridas, com disfarce de direitos, que resultado podemos obter senão a ineficiência e, em última análise, a pobreza? "Eles (os europeus) vão ser os futuros pobres" - diz um eminente economista chinês, visível no YouTube, e, se calhar, o dito terá razão se não se mudarem as coisas. Se não quisermos ser tão dramáticos, seguramente podemos augurar o que já acontece: o nosso trem de vida desce e o deles sobe.

E como não há-de ser assim? Também o capital criador de riqueza voa para paragens onde não há perseguição psicológica aos "ricos", afinal, na maioria, gente comum que quer subir na escala social com trabalho e tomada de risco. Por cá, os impostos, taxas e custos de contexto afugentam o precioso sestércio que não anda a discutir com a extrema esquerda caviar e prefere o camarada Hu ou, pelos vistos, para o futuro, os irmãos Castro, para não falar do excelente Singh.

E seguramente é assim e não doutro modo, quando os sistemas são suportados por exércitos de funcionários públicos, agindo com baixíssima produtividade, sempre preocupados com aumentos salariais e carreiras, sendo normalmente os únicos que se dão ao luxo de fazer greves contra os seus patrões, os pobres e exauridos contribuintes.

E poderá ser doutro modo se a vida se faz de orçamentos esburacados de défices, mesmo com extorsão fiscal? Os buracos financeiros subsidiam vida acima dos meios criados e são subsidiados com dívida que nem os nossos filhos conseguirão pagar. E, pior, com desvio de verbas que não entram na economia e deixam de poder ter utilização no sistema produtivo, público ou privado.

Não estamos dispostos a sacrificar coisa alguma, mas algo terá mesmo de mudar. Como sempre nas situações críticas de incêndios políticos, económicos e sociais, prescinde-se do supérfluo - que, de todos os modos, nos será tirado - e preserva-se o essencial, que é muito e apreciável - e que também nos será tirado, se prosseguirmos na cegueira de querer tudo sem possuir ou criar os meios consentâneos. Tudo isto enquanto se grita contra a sra Merkel, a qual é suposto pagar e não bufar.

E Portugal? Quando a totalidade de receitas dos impostos vai para salários a funcionários e para prestações sociais, enquanto a economia praticamente não cresce há dez anos (não é só a presente crise, ao contrário da criminosa balela que nos andam a impingir), que podemos nós, o Povo, esperar?