por Marta F. Reis, in iInformação
Há um homem que se destaca. É o mais velho na sala de espera do centro de emprego da Amadora, quase reforma mas não o suficiente para não estar ali. "Isto envergonha-me, há pessoas que conseguem falar mas eu não consigo." As pessoas estão encostadas umas às outras, à espera que as chamem pela senha para saberem a que horas devem voltar para serem atendidas. A fila começa a formar-se às seis da manhã e às nove, quando abre o centro com mais inscritos da região Centro e o terceiro no país (atrás de Vila Nova de Gaia e Penafiel), já percorre 200 metros, todo um quarteirão. Mede-se o desemprego do concelho pelo tamanho da espera e mesmo quem vem pela primeira vez sabe que tem de chegar cedo. Depois, cada um gere o momento à sua maneira.
desempregados das escolas Inês, Sónia e Susana todos os anos têm contrato até 31 de Agosto, recebem subsídio de desemprego no último trimestre, e voltam a ser contratadas. Resta dizer que o empregador é o mesmo e o local de trabalho também tem sido. São psicólogas educacionais em escolas TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), posto sem concurso nacional desde 1997. Todos os anos as escolas têm de esperar por autorização do Ministério da Educação para abrirem concurso, e com elas os psicólogos e os alunos. No ano passado, com o corte de 50% nos psicólogos das escolas, Inês Faria, 28 anos, ficou sozinha com dois agrupamentos - 2500 alunos. Susana tem 700 numa escola problemática em Camarate. No último ano lectivo, a primeira só foi colocada em Fevereiro e a segunda em Dezembro. "É uma forma de esconderem a ilegalidade de não nos porem nos quadros: todos os anos acabamos por estar três meses a receber do fundo do desemprego. Cada ano é um ano, não faço planificações a longo prazo."
Os professores também saltam à vista um dia depois do concurso nacional ter lançado para o desemprego 37 mil pessoas. Paula Fernandes não teve o nome entre os colocados porque quis manter o mesmo nível de ordenado e continuar a progredir na carreira à mesma velocidade. "Só concorri a horários completos. Se tivesse posto menos horas, tinha entrado", diz a professora de História, que há três anos perdeu o lugar de efectiva num colégio que fechou. Tinha 18 anos de casa e viu-se de repente no início. "Nunca fiquei sem trabalho porque antecipei um bocado as coisas, mas desta vez não estava à espera. É como se todos os anos tivesse de começar de novo."
Paula vai ter de esperar pela bolsa de recrutamento e até lá, pelo menos este mês, viver com o subsídio de desemprego. O processo é o habitual para Ermelinda Gonçalves, 28 anos. É formada em informática e dá aulas há quatro anos em escolas públicas: primeiro em Samora Correia, depois no Redondo e nos últimos dois anos em Telheiras, Lisboa. Como não é profissionalizada, não entra no concurso e tem de ir atrás das vagas que sobram. "Já pensei em desistir, não consigo lidar com a instabilidade. Conto estar no desemprego três meses no máximo: estar à espera de um subsídio não é vida para ninguém." O drama de Ana Sofia Ribeiro, 36 anos, é maior. Os dois filhos pequenos penduram-se-lhe no colo. O marido está desempregado desde 2008 e ela vê-se agora na mesma situação: o contrato de auxiliar de acção educativa terminou no último dia de Agosto. Há seis anos numa escola da Falgueira, vai ter de passar por um novo recrutamento.
a mais no mercado Maria Silva, 57 anos, veio inscrever-se no fundo de desemprego, mas o litígio com o externato onde trabalhou trinta anos ainda não acabou. Há dois anos, o colégio mudou de gerência, e agora de proprietário. Vai continuar aberto, mas o pessoal foi dispensado. "Agora é um novo mundo. Andava completamente a leste da situação do país, passámos por tudo lá dentro."
Maria começou a trabalhar com cinco anos, por isso goza há um mês de uma liberdade de que não se lembra. "Gostava mesmo era de me cultivar, nunca tive tempo para isso. Agora para os mais novos, quem tem a vida toda para fazer, vai ser muito complicado." Para Carla Alves, 40 anos, desempregada depois do fecho da engomadoria onde trabalhava há quatros anos, já não era fácil com trabalho. "Vejo-me num ponto em que sou velha demais para arranjar trabalho e estou a vinte anos da reforma." Ganhava o salário mínimo quando, no ano passado, o filho mais novo não arranjou lugar numa creche do Estado e lhe pediram 380 euros num colégio. Este ano, os livros do filho mais velho, no oitavo ano, custaram 250 euros. "Não somos pobres o suficiente para termos direito à acção social. Para o ano deixa de estudar, vai para a escola de bombeiros. Não venham dizer que querem a escolaridade obrigatória até ao 12º ano, não temos dinheiro. Neste momento dou comigo a pensar que ou comem ou estudam." Jacinta Correia, 54 anos, é outra das seis funcionárias da engomadoria que ficaram sem trabalho. O olhar vago contrasta com a raiva da colega. Começou a trabalhar aos onze anos, andou na apanha da azeitona, da castanha, lavou e engomou toda a vida até ter ficado quase um ano sem trabalho, em 2002, e agora voltar à mesma situação. "Já tive quatro depressões. O que me preocupa é que com 54 anos deito-me e não tenho a preocupação de me levantar. Tenho uma prestação de 300 euros da casa para pagar, tive o baptizado da minha neta e ainda não pude dar-lhe uma prenda."
A formação militar de António Botelho, 52 anos, não deixa que a estrutura interna se abale: "Resistir." Trabalhou 25 anos como motorista na indústria farmacêutica e regressou nos últimos tempos ao ramo da segurança, onde, nos anos 80, chegou a ser supervisor de operações com 400 pessoas a seu cargo. "Agora ajudei a formar um miúdo, a ganhar metade." Veio embora ofendido e com "milhares" de horas por receber. "Há um aproveitamento da mística da crise para se abusar das pessoas. Não havia dinheiro para pagar aos funcionários, mas havia para ir fazer formações à Islândia." Espera encontrar trabalho até ao final do ano. "Há dez anos ganhava o triplo. Toda a gente se orientou como pôde. Como cidadão, sinto-me completamente roubado." Apesar de apontar o dedo ao peixe grande, vê no Estado social alguns problemas. "As pessoas pobres não deixam de ter força para trabalhar. Temos os agricultores a viverem de subsídios, algumas propriedades só conseguem contratar estrangeiros. Os jovens cresceram no facilitismo e agora não são capazes de fazer sacríficos: mais de oito horas não trabalham. Acabava por ter de fazer o trabalho deles."
Os jovens então Pragmáticos, os jovens que encontramos estão ali porque sabem o que não querem. As histórias de Natan Simões, 25 anos, e David Gonçalves, 26 anos, acabam por não ser muito diferentes. Demitiram-se porque não gostavam do que estavam a fazer: o primeiro fez formação profissional em electromecânica e trabalhava na indústria farmacêutica, sem previsões de progredir na carreira. Quer mudar de ramo, para instrumentação. O segundo especializou-se em electrotécnica e robótica e não se sentiu realizado com trabalhos em engenharia informática.
"Saí com acordo, foi uma coisa pensada. São as minhas últimas movimentações em Portugal antes de regressar ao Brasil", diz Natan. Três meses de formação e vai ter com a família, que regressou também ao país natal depois de dez anos em que acabaram por perder o que vieram ganhar. David está a ponderar candidatar-se a um lugar de bolseiro na faculdade, talvez a única forma de trabalhar na área em que se formou: os trabalhos em robótica não abundam. Debate-se com um problema de expectativas. "Tenho ido a muitas entrevistas, mas ou o pacote salarial é mau, ou são as regalias ou o tempo de deslocação." Já recusou três ofertas de menos de 1000 euros. "Se calhar, não vou poder continuar assim, mas depois do tempo que passei na faculdade acho que posso ser minimamente exigente."