14.4.16

Crianças mais pobres têm acesso a 40% do rendimento de uma “criança média”

Andreia Sanches, in Público on-line

Nenhum país consegue proporcionar “o mesmo começo de vida a todas as crianças”, diz a Unicef. Mas há uns mais desiguais do que outros. No ranking geral das desigualdades, Portugal fica a meio da tabela. O pior é quando se analisam os rendimentos.
obreza

Até que ponto as crianças dos países desenvolvidos, sobretudo as que se encontram numa situação mais desfavorecida, “estão a ficar para trás”? É a esta pergunta que um novo relatório da Unicef, que será divulgado nesta quinta-feira, procura dar resposta. Chama-se Equidade para as crianças: uma tabela classificativa das desigualdades no bem-estar das crianças nos países ricos. No ranking geral, que ordena os Estados dos que registam menores disparidades para os que apresentam mais desigualdade, Portugal está em 19.º lugar. Uma posição abaixo dos EUA e uma acima da Islândia.

São analisadas quatro áreas: rendimento disponível nas famílias; desempenho escolar; problemas de saúde percepcionados pelos jovens; e satisfação com a vida.

Portugal destaca-se pela positiva quando estão em causa as disparidades em termos de saúde percepcionada pelas crianças. É 7.º no ranking. Já quando se analisa a dimensão “desigualdade de rendimentos”, tudo se complica. Dados: na Noruega, o rendimento de uma criança de uma família pobre é 37% inferior ao de uma “criança média”; em Portugal, é 60,17% inferior. Somos o 33.º mais desigual em 41 para os quais há dados disponíveis sobre rendimentos das famílias com crianças. A Noruega é o menos desigual nesta dimensão.

“Em 19 dos países analisados, as crianças mais pobres dispõem de menos de metade dos rendimentos da criança média dos seus países”, explica a Unicef, numa síntese dos dados. “Em Espanha, na Grécia, Itália e Portugal, bem como em Israel, no Japão e México, a diferença de rendimentos entre as crianças mais pobres e as do meio da distribuição é superior a 60%. Isto significa que as mais pobres dispõem de menos de 40% dos rendimentos da média.”

A metodologia usada pelo Centro de Investigação — Innocenti, da Unicef, pode resumir-se deste modo: em cada uma das quatro áreas, e em cada país, foi analisada a dimensão do fosso que separa uma criança que se encontre na base da tabela — ou seja, no grupo das que estão em pior posição — de uma “criança média” desse país.

Participam 41 países da União Europeia e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). A Dinamarca está no topo do ranking geral, que congrega as quatro dimensões. Não é que proporcione exactamente “o mesmo começo de vida” a todas as crianças. Isso, na verdade, não acontece em nenhum dos estados, nota a Unicef. Mas na Dinamarca as diferenças entre crianças mais desfavorecidas e os seus pares são menores.
Rendimento: desigualdade aumenta

A Unicef começou por ter em conta o rendimento dos agregados com filhos — descontados impostos, incluídas prestações sociais e ponderado o tamanho e composição do agregado. Os dados sobre rendimento e condições de vida da União Europeia, de 2013, constituem uma das fontes. Em cada país, a mediana do rendimento foi comparada com o rendimento do agregado de uma criança que pertença ao grupo das famílias mais pobres — as 10% mais pobres do país.

A tendência geral é esta: “As disparidades de rendimento aumentaram na maioria dos países ricos desde a crise económica. Esta tendência é particularmente gritante nos países do sul da Europa, onde os rendimentos das crianças mais pobres caíram mais relativamente à média, também esta em queda”

A tendência geral é esta: “As disparidades de rendimento aumentaram na maioria dos países ricos desde a crise económica. Esta tendência é particularmente gritante nos países do sul da Europa, onde os rendimentos das crianças mais pobres caíram mais relativamente à média, também esta em queda.”

Em Portugal, entre 2008 e 2013, as disparidades de rendimento aumentaram 5,4 pontos percentuais, “dado que o rendimento dos 10% de crianças na base da distribuição diminuiu mais rapidamente do que o da mediana”, prossegue a Unicef.

“Os maiores aumentos das desigualdades de rendimento — aumentos de pelo menos cinco pontos percentuais — ocorreram em quatro países do sul da Europa, Grécia, Espanha, Itália e Portugal, e em três países da Europa de Leste, Eslovénia, Eslováquia e Hungria.”

Portugal é também dos países onde as transferências sociais — subsídios, abonos, etc. — menos atenuam a desigualdade de distribuição de rendimentos. O Reino Unido, a Irlanda e a Bélgica são aqueles onde o Estado tem um papel mais relevante na redução do fosso entre crianças.

Em 2013, a taxa de pobreza infantil em Portugal era de 17,4% (há 11 países com taxas maiores). E perto de três quartos das crianças que viviam em agregados familiares pobres encontravam-se em situação de privação material (não tinham capacidade para dispor de bens considerados essenciais, como aquecimento em casa ou uma refeição com o nível adequado de proteínas a cada dois dias, recorda ainda a Unicef, na síntese que reúne os dados para o país).

A Unicef nota ainda que dois dos países mais ricos do mundo, o Japão e os EUA, aparecem, como Portugal, no último terço da tabela das desigualdades no que diz respeito aos rendimentos a que as crianças têm acesso.
Educação: países-modelo pioram

Na tabela que mede as disparidades na educação — outra das quatro áreas analisadas —, Portugal aparece em 19.º em 37 países para os quais há dados. A análise é feita com base nas conclusões do PISA 2012, um estudo internacional que avaliou as competências dos alunos de 15 anos em três áreas-chave: Matemática, Leitura e Ciências. Em cada país compara-se o desempenho dos alunos com piores resultados com a média.

O Chile e Roménia aparecem como sendo os que apresentam menor disparidade entre alunos, “mas pelos piores motivos — porque a situação é má para todos”, explica Margarida Gaspar de Matos, investigadora da Universidade Técnica de Lisboa, que participou na elaboração do estudo da Unicef.

Naqueles dois países, tal como acontece na Bulgária e no México, “perto de um quarto dos alunos de 15 anos não dispõem das aptidões e competências necessárias para resolver exercícios básicos de leitura, matemática e ciências”, o que é considerado pela Unicef “um número particularmente alarmante”. Em Portugal, são 12,6%, um valor que representa uma melhoria, face a 2006.

No que diz respeito às competências de leitura, especificamente, há mais boas notícias para Portugal: “As disparidades entre as crianças com resultados médios e os 10% que se encontravam na base da distribuição diminuíram 9,3 pontos, dado que estas melhoraram as suas notas mais do que os seus pares.”

Apesar das boas notícias, os alunos portugueses “provenientes de famílias com um estatuto socioeconómico mais baixo tinham 12% mais probabilidade de não atingir os níveis mínimos de competências nas três áreas do que os seus pares de meios mais privilegiados”.

De resto, na generalidade dos países, as desigualdades no que diz respeito ao desempenho escolar diminuíram. Mas não na Finlândia e a Suécia, “anteriormente considerados como exemplos de sucesso e de equidade em matéria de educação. Em ambos verificou-se um aumento das desigualdades e dos níveis de insucesso.

“Uma sociedade não pode ser equitativa se a algumas crianças for negado um bom começo de vida”, alerta a Unicef que pede aos governos que “considerem como prioritário” proteger os rendimentos dos agregados familiares das crianças mais pobres, promover o sucesso escolar das crianças mais desfavorecidas e “apoiar estilos de vida saudáveis”. Em Portugal, o relatório é apresentado nesta quinta-feira à tarde no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Saúde: meninos e meninas muito diferentes

Quantas vezes nos últimos meses sentiste sintomas físicos como dor de cabeça, ou de estômago; quantas te sentiste nervoso, ou irritado? Foram perguntas deste tipo que se fizeram em 2014 aos adolescentes de 11, 13 e 15 anos de dezenas de países, no âmbito do Health Behaviour in School-aged Children, da Organização Mundial da Saúde, cujos resultados finais foram divulgados no mês passado. E a Unicef foi buscar também esse estudo para a sua análise sobre desigualdades.

“Nenhum país conseguiu progressos claros na redução das disparidades no que toca a problemas de saúde sinalizados pelas crianças”, conclui. Pelo contrário, as desigualdades acentuaram-se na maioria dos Estados, incluindo Portugal, “verificando-se mesmo aumentos consideráveis na Irlanda, em Malta, na Polónia e na Eslovénia”.

Ainda assim, Portugal ocupa, como se viu, uma boa posição neste ranking: é o 7.º em 35 países com menos disparidades no que toca a problemas de saúde sinalizados pelas crianças. Já no que diz respeito à alimentação saudável (consumo de fruta e vegetais), é apontado como o país onde as desigualdades mais aumentaram (6,6 pontos percentuais entre 2002 e 2014).

Sobre este aspecto, Margarida Matos lembra que “o consumo de fruta desceu muito a nível nacional, embora continue razoável em termos europeus”, e que Portugal foi “penalizado” na avaliação da Unicef porque “foi o país onde o consumo de fruta desceu mais entre 2010 e 2015 — mas a verdade é que era o maior consumidor em 2010”.

O estudo da OMS também pediu aos jovens que classificassem a sua “satisfação com a vida”, numa escala de zero a 10. E, uma vez mais, a Unicef compara a “criança média” com as crianças menos satisfeitas. Resultado: “Nos países ricos, o nível de satisfação com a vida atribuído pela criança média é de 8.” Mas “na grande maioria dos países, mais de uma em cada 20 crianças classifica a sua satisfação com a vida num nível 4 ou menos”. Em Portugal, a percentagem é 6%.

O países onde o fosso entre a média e as menos satisfeitas é menor é a Holanda. Portugal ocupa o 18.º lugar neste ranking da satisfação com a vida, em 35 países.

A Unicef sublinha que há um outro tipo de desigualdade preocupante: a de género, que é “generalizada e persistente”. Em todos os países, “as raparigas têm uma probabilidade significativamente mais elevada de ficar para trás relativamente à saúde”. Em dez, as disparidades de género aumentaram.

“Por outro lado, as raparigas dão conta de um nível de satisfação com a vida inferior ao dos rapazes, especialmente na faixa etária dos 15 anos.” Margarida Matos diz que vários estudos têm alertado para este tema e não tem dúvidas: “A iniquidade de género merece uma reflexão séria.”