3.9.18

Aumentam queixas de racismo em Portugal

João Carlos, in MSN notícias

Jerciley Marques tem 24 anos de idade e vive há seis em Portugal. Veio de São Tomé e Príncipe para estudar e trabalhar. Está empregado na área da restauração e confessa à DW que já foi vítima de discriminação racial.
"Eu fui vítima de racismo, porque entrei num supermercado para comprar coisas e notei logo os seguranças atrás de mim [com desconfianças]. Por vezes, na rua tentas perguntar a algum branco alguma coisa e ele vira-te as costas e não te responde", conta.

Marques não tem dúvidas: "Sim, acho que em Portugal ainda há muito preconceito contra as pessoas de etnia negra." O jovem são-tomense afirma que, pelo facto de serem negras, as vítimas de racismo são tomadas por ladrões ou delinquentes. "É uma questão de mentalidade", refere, adiantando que, por várias razões, as pessoas afetadas preferem não apresentar queixa às entidades competentes.

Aumento de número de queixas
A nova lei de combate à discriminação, aprovada em julho de 2017, entrou em vigor a 1 de setembro do mesmo ano. De lá até junho deste ano, a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial (CICDR) diz ter recebido 207 denúncias de racismo e xenofobia, considerado o maior número de sempre em Portugal. Mas, entre 2005 e 2017, houve apenas 12 condenações das 1057 queixas apresentadas, o correspondente a dois por cento.

Solicitado a prestar mais informação sobre estes números, o Alto Comissariado para as Migrações declinou o pedido da DW "por indisponibilidade de agenda". No entanto, para Mamadou Ba, da organização não-governamental SOS Racismo, o que os dados mostram é que, "ao contrário da narrativa oficial, Portugal não é uma ilha no resto da Europa, onde não haveria uma expressão forte de racismo".

"Este aumento de queixas quer dizer que o racismo existe, está vivo e ganha espaço na sociedade e nas instituições, incluindo no seio daquelas que são supostamente para garantir a segurança pública", afirma Ba. "Em segundo lugar, é preciso notar que o aumento de queixas se prende também com o aumento de visibilidade e intensidade do debate em torno do racismo na sociedade portuguesa", comenta.

"Esta efervescência do debate alimentou-se mutuamente também com os casos mediáticos sobre violência racial, física e simbólica contra negros e ciganos, como o caso da esquadra de Alfragide, as demolições de casas no bairro '6 de Maio' acompanhados de violência policial ou dos distúrbios na discoteca Urban Beach, por exemplo", exemplifica Ba.

Deficiências da anterior Lei mantêm-se
Na opinião do dirigente da SOS Racismo, importa agora questionar se este aumento de queixas coincidiu com uma eficácia de procedimentos do novo quadro jurídico de combate ao racismo.

A SOS Racismo considera que a ineficácia, a ineficiência e a incapacidade de dissuasão verificadas na anterior lei se mantêm. É que, desde a entrada em vigor da nova lei, não se conhecem casos que tenham resultado numa condenação efetiva por crimes racistas no quadro jurídico atual.

"Não conhecemos nenhum", diz Mamadou Ba. "Em resumo, o que é preciso são duas coisas no essencial: a primeira e a mais importante, na nossa opinião, é alterar o código jurídico atual para o tornar mais eficaz, coincidindo com o aumento da expressão do racismo na sociedade portuguesa. Ou seja, tornar o racismo um crime e alterar a lei de contra-ordenação para um quadro jurídico penal."

Em segundo lugar, acrescenta, é preciso dotar a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial de verdadeiros mecanismos de contra-ordenação competentes e autónomos, de modo a poder instruir os processos com alguma celeridade e produzir as sanções correspondentes.

Face ao atual cenário, Jerciley Marques acredita na mudança de mentalidade sobre comportamentos racistas em Portugal: "Eu acho que, com o andar do tempo, as coisas podem vir a melhorar. As pessoas podem ficar com uma mente mais aberta."