24.9.18

"Pior do que a precariedade vão ser os baixos salários"

Lucília Tiago, in Diário de Notícias

De passagem por Lisboa para participar na conferência O Trabalho Dá Que Pensar, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Juan José Dolado, economista e professor catedrático no Departamento de Economia da Universidade Carlos III de Madrid, falou com o DN/Dinheiro Vivo sobre o futuro do emprego, acentuando que a redução do desemprego a que a Europa tem assistido nestes últimos anos veio acompanhada de empobrecimento. E vai continuar.

Na conferência, falou do Estado social nestes tempos de Uber. A uberização das relações são uma ameaça tão grande do Estado social como o envelhecimento da população?
A Uber é uma componente muito pequena da economia de partilha. Há muitas plataformas que contratam em todo o mundo e há muita gente que trabalha nestas atividades para ter um complemento de rendimento. Estes trabalhadores vão fazer descontos sobre rendimentos mais baixo e as receitas das contribuições ressentem-se. Mas, por outro lado, todos estes trabalhadores vão produzir mais porque a economia partilhada está a crescer. E vai crescer mais. A base de pessoas que fazem desconto vai aumentar, mas vai haver um risco, claramente.
Ainda assim, pode dizer-se que a maior ameaça ao Estado social está no envelhecimento da população e na evolução demográfica?
Sim, porque o sistema de pensões deixará de ser sustentável. No futuro, haverá mais gente a descontar, mas a descontar menos porque têm trabalhos pequenos.

As pensões que vão ser pagas serão também mais pequenas?
As pensões terão de baixar. A não ser que tenhamos imigrantes em número suficiente para cobrir a redução das contribuições. E por isso a atitude da Europa face às crises migratórias e as restrição à entrada de imigrantes são um pouco contraditórias, porque dentro de 10 ou 15 anos vamos precisar de todos os [imigrantes] que estamos agora a expulsar. À medida que vamos envelhecendo vamos perdendo capacidades e, num mundo onde as tecnologias precipitam as mudanças, as pessoas mais velhas vão sofrer mais do que as mais jovens. As empresas irão cada vez mais investir na robotização, sobretudo daqueles setores em que há uma população ativa mais velha, porque sabem que as suas capacidades vão reduzir-se, com a agravante de que ganha mais porque está mais protegida.

É uma realidade que acabará por chocar com a necessidade de promover o envelhecimento ativo…

O que se pode fazer é investir mais na formação das pessoas mais velhas. A educação hoje já não acaba aos 20 ou aos 25 anos, acaba aos 65.

Dar incentivos às empresas para manterem os trabalhadores velhos é uma solução?
Incentivar [as empresas] a manter trabalhadores que não são produtivos não faz sentido. Precisamos de mais pessoas para cuidar dos mais velhos, e os mais velhos que têm condições para isso podem ocupar-se destas tarefas, que são menos tecnológicas e que envolvem mais comunicação humana, envolvimento pessoal - o que as máquinas não conseguem fazer.

Não conseguem, pelo menos por enquanto...
Por muito tempo. Por exemplo, uma máquina não consegue limpar um quarto de hotel. Pelo menos nestes próximos tempos essa é uma tarefa que não será para máquinas porque cada pessoa deixa o quarto de forma diferente e as máquinas necessitam de procedimentos estandardizados. Outra coisa é a qualidade e a remuneração deste tipo de trabalho. Todo este projeto tecnológico não vai tanto destruir emprego mas reduzir salários e, logo, as contribuições para a Segurança Social.

A robotização e a inteligência artificial já estão e vão a continuar a destruir muitos empregos. Vai ser possível criar novos noutras áreas que compensem os que vão acabando?
Obviamente vai haver destruição de emprego nos próximos cinco, dez anos. Mas haverá empregos que vão ser recuperados noutros setores. Se há algo que a história nos ensinou foi isso. Na Revolução Industrial todas a pessoas que trabalhavam na indústria têxtil foram substituídas pelas máquinas. Quando apareceu a eletricidade, os automóveis e as tecnologias de informação houve sempre trabalhadores que perderam emprego e outros que ganharam. Há dois fatores de arrastamento: estas revoluções baixaram os preços dos produtos e com isso aumentou o consumo, e isso faz que haja mais empregos onde o consumo subiu. Um dos oradores desta conferência, [professor] do MIT (Massachusets Instituto of Technology) tem um trabalho que mostra que em dez anos ter-se-ão compensado e recuperado as perdas de emprego em alguns setores. Foi o que aconteceu quando apareceu a internet e em que todas as pessoas que escreviam à máquina perderam o seu emprego e houve que aprender a usar processadores de texto. Portanto, acho que não vai haver problema. Vai haver problema é a nível da economia das plataformas, porque a descarregar uma aplicação há muitas tarefas que ser feitas pelo próprio. E nos próximos dez anos o emprego nesses setores vai cair.

Quemvai resistir ou saber adaptar-se e responder melhor? Ou seja, um estudante que está a preparar-se para entrar para a universidade deverá apostar em que áreas?
O mundo está a mudar e vai ser necessário saber um pouco de tudo. A especialização não vai ser boa. Claro que se me especializo em algo e tenho muito sucesso sou uma superestrela, mas é melhor saber um pouco de tudo. É necessário ter estudos e capacidades que os robôs não vão poder substituir, como por exemplo na medicina, nos cuidados sociais.

O desemprego em Portugal e na Europa está a diminuir há vários trimestres. Como avalia esta tendência?
Há uma parte desta diminuição do desemprego que é estrutural porque muitas instituições e empresas que eram ineficientes reformaram-se durante a crise - algumas demasiado. Mas esta redução do desemprego veio acompanhada de um empobrecimento, de um aumento de não assalariados, de trabalhadores independentes, de pessoas com salários mais baixos e os efeitos vão sentir-se. Já estamos a viver o problema das pensões e creio que em dez anos o problema das pensões vai agravar-se.

Em Portugal está a ser feita uma mudança na lei laboral que procura limitar a precarização das relações laborais. Mas este é um problema que vai acentuar-se em termos globais?
As pessoas precisam de um ambiente de estabilidade porque, caso contrário, não conseguem trabalhar decentemente. Se estivermos preocupados que nos vão despedir amanhã, não conseguimos trabalhar bem. Mas é muito negativo que haja trabalhadores com muita proteção e outros sem proteção nenhuma. Esta dualidade faz que as empresas tenham menos vontade de transformar um vínculo instável num estável porque sabem que no futuro, se tiverem de o despedir, será mais caro. Seria muito melhor que a indemnização (por despedimento) dos precários e dos não precários fosse igual. O que temos de fazer é diminuir o gap entre precários e não precários porque se não for assim cria-se um problema geracional, criam-se atritos entre os pais, que têm empregos estáveis, e os filhos que são precários. É o que se passa com as pensões e a educação: os filhos pagam as pensões dos pais porque estes pagaram a sua educação. Se houver problemas com a educação teremos problemas com as pensões, porque em algum momento os filhos vão perguntar para que hão de continuar a pagar as pensões dos pais se eles já não conseguem pagar a sua educação? O mesmo se passa com os precários e não precários: para que vou ajudar os meus pais se são eles que não me dão a oportunidade de ser estável?