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27.3.23

Quase 30% dos trabalhadores dos serviços essenciais são mal pagos

Denise Fernandes, in Lusa 

Lisboa, 15 mar 2023 (Lusa) – Quase 30% dos trabalhadores dos serviços essenciais, no mundo, como os que estiveram na linha da frente na pandemia de covid-19, são mal pagos, recebendo em média menos 26% face aos restantes trabalhadores, segundo a OIT.

De acordo com as principais conclusões do "World Employment and Social Outlook (WESO) 2023 - O valor do trabalho essencial" da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os países devem melhorar as condições laborais e os rendimentos destes trabalhadores que estão em áreas como a saúde, segurança, alimentação, transportes ou limpezas.

Nos 90 países analisados pela OIT com dados disponíveis, mais de metade (52%) do emprego é realizado por trabalhadores essenciais, embora em países de elevado rendimento, a proporção seja menor (34%).

Segundo o relatório, em todo o mundo, 29% destes trabalhadores são mal pagos, ou seja, recebem menos de dois terços do salário médio por hora.

Em média, os trabalhadores essenciais ganham 26% menos do que os outros trabalhadores e apenas dois terços dessa diferença se deve à educação e à experiência, realça a OIT.

No setor alimentar, a proporção de trabalhadores essenciais com baixos salários é particularmente elevada, situando-se nos 47%, e nos setores da limpeza e saneamento é de 31%.

Estes setores empregam uma grande proporção de imigrantes, especialmente em países de elevados rendimentos.


O estudo indica ainda que perto de um em cada três trabalhadores essenciais tem contrato temporário, embora existam diferenças consideráveis entre países e setores, com a indústria alimentar a registar 46% de trabalhadores temporários.

Nos países com rendimentos baixos, mais de 46% dos trabalhadores essenciais trabalham muitas horas, sendo as jornadas longas mais frequentes no setor dos transportes, onde 42% dos trabalhadores essenciais exercem funções mais de 48 horas semanais.

Uma parte substancial dos trabalhadores essenciais de todo o mundo também tem horários irregulares ou jornadas reduzidas e apenas 17% têm proteção social.


Para garantir a continuidade dos serviços essenciais durante futuras pandemias ou outras crises, a OIT recomenda um maior investimento em infraestruturas, capacidade produtiva e recursos humanos nestes setores chave.

“A falta de investimento, especialmente nos sistemas de saúde e alimentação, contribui para um défice de trabalho decente que prejudica tanto a justiça social como a resiliência económica”, realça a organização.

Entre as medidas a tomar pelos diferentes países, a OIT defende que os sistemas de saúde e segurança no trabalho abranjam todos os setores e trabalhadores.

A organização defende ainda a melhoria das remunerações dos trabalhadores essenciais, para reduzir a diferença salarial face aos outros trabalhadores, nomeadamente através de salários mínimos negociados ou estatutários.

Devem ainda ser garantidas jornadas de trabalho seguras e previsíveis através de regulamentação, incluindo negociação coletiva, e adaptar os quadros jurídicos para que os trabalhadores estejam abrangidos por proteção social.

DF // EA

Lusa/Fim

19.12.22

Entre os 11% de trabalhadores pobres, Maria José e João fazem contas à vida

in o Observador

Maria José Feixeira faz parte dos 11,2% da população empregada que é pobre, uma vez que tem um rendimento monetário líquido inferior a 554 euros por mês.

Maria José integra os 11% da população empregada considerada pobre e cujos rendimentos são insuficientes para fazer face às despesas, o que obriga a pedir ajuda e a criar estratégias como alternar o pagamento da água e luz.

Fisioterapeuta de profissão, e com uma vida de trabalho que começou aos 9 anos, a vida desta mulher de 59 anos mudou radicalmente em 2020, quando a pandemia causada pela Covid-19 lhe tirou todas as fontes de rendimento, nomeadamente os caterings que fornecia para festas de casamento.

Vive com o marido numa aldeia perto da Malveira, freguesia do município de Mafra, numa casa pela qual paga 400 euros, quase metade dos cerca de 828 euros mensais que ela e o marido recebem – cerca de 300 euros que consegue quando tem trabalhos de fisioterapia e 528 euros de subsídio de desemprego que o marido ainda recebe, depois de a empresa onde trabalhava ter fechado na pandemia.

Quem nos tem ajudado nestes últimos dois anos tem sido a União Audiovisual com alimentação e não há comparação para aquilo que eles têm feito por nós. Eu fui pedir o Rendimento Mínimo [Rendimento Social de Inserção (RSI)], mas disseram que eu não tinha direito porque trabalhava a recibo verde”, contou à Lusa.

Da União Audiovisual (UA), uma associação de apoio aos profissionais do setor da cultura, criada em plena pandemia, Maria José Feixeira recebe atualmente um cartão com 90 euros para gastar em alimentação, que divide com o irmão e as duas sobrinhas, uma vez que também ele ficou desempregado.

“Nunca pensei chegar a esta altura e ter de olhar para a carteira a ver se há dinheiro para o outro dia. (…) Assim que acabar o fundo de desemprego do meu marido não sei, o dinheiro que eu ganho não chega”, lamentou.

Admitindo que já chorou muito, Maria José ironiza que isso só lhe trouxe olhos inchados e dores de cabeça e não lhe resolveu a situação.

Segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), relativos aos rendimentos de 2020, Maria José Feixeira faz parte dos 11,2% da população empregada que é pobre, uma vez que tem um rendimento monetário líquido inferior a 554 euros por mês.

Mas a fisioterapeuta lembra que há quem não tenha sequer fundo de desemprego ou apoio alimentar.

“Eu, nesse ponto, posso dizer que não sou pobre, que sou rica, porque eu sei que há muita gente que quer um prato de sopa e não tem”, apontou.

João Silva (nome fictício) também está “sempre a contar os trocos até ao fim”, numa gestão difícil em que ele é o único garante de um rendimento mensal numa família de seis pessoas, quatro das quais menores em idade escolar.

“Por exemplo, este mês paga-se a água e deixa-se a luz para trás, no mês que vem paga-se a luz e deixa-se a água para trás. Com muita frequência é isso que fazemos e eu ainda tenho a sorte de trabalhar em construção civil e de ir fazendo um trabalhito ou outro ao fim de semana”, explicou à Lusa, admitindo que se não fosse isso a família passaria fome.

Do trabalho numa instituição de solidariedade social, onde faz “um bocadinho de tudo”, recebe o salário mínimo nacional (705 euros ilíquidos), ao qual acresce mais “cento e qualquer coisa” euros de RSI e cerca de 40 euros mensais de abono de família por cada um dos filhos.

Um estudo da Universidade Nova SBE sobre a pobreza no trabalho refere que cerca de 54% destas pessoas recebem transferências sociais e que “se não existissem transferências sociais, a taxa de pobreza no trabalho seria de 19%”.

Diz também que a “correlação entre a evolução do salário mínimo e a redução da taxa de pobreza no trabalho é baixa”, já que em 2019 “a média dos rendimentos dos trabalhadores pobres era de 8.032 euros [anuais], o que sugere que muitos trabalhadores pobres recebem menos do que o salário mínimo”.

João e a família têm “a sorte” de viver numa habitação social e de receberem mensalmente um cabaz providenciado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, em que “grande parte das vezes falha produtos”.

“Há meses em que umas vezes não há frango, há outros meses em que não há peixe, outros meses não há bolachas, outros não há legumes e o que não vem já não volta”, apontou, referindo que não há compensação no mês seguinte.

Por outro lado, lamentou que há 20 anos ganhasse mais do que aquilo que recebe hoje: “Passamos a vida a trabalhar e estamos a regredir em vez de evoluir”.

“Sinto uma grande tristeza, profunda, por não conseguir fazer metade daquilo que gostaria de fazer. Poder dar mais aos meus filhos”, lamentou, emocionado.

Para o administrador da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para a Ação Social, uma das causas imediatas para este fenómeno está no custo da habitação, já que “uma parte significativa das pessoas despende mais de 40% do seu orçamento mensal” com a casa onde vive, quando esse valor deveria rondar os 30% a 40%.

Por outro lado, apontou Sérgio Cintra, associam-se à “fraca capacidade económica” do país dois fenómenos: o facto de as pessoas nem sempre terem as qualificações necessárias quando entram no mercado de trabalho e começarem com salários muito baixos, ao mesmo tempo que as subidas salariais não compensam os valores da inflação.

O custo de vida está muito elevado e em nenhum país os salários acompanharam o aumento da inflação. Na Grã-Bretanha, por exemplo, o número de pessoas que necessita de apoio alimentar está a bater recordes dos últimos 40 anos”, apontou, demonstrando que este está longe de ser um fenómeno dos países do sul da Europa.

Segundo o INE, o aumento da pobreza sentida em 2020 “afetou todos os grupos etários”, mas especialmente os adultos em idade ativa, com um aumento de 2,3 pontos percentuais.

“O risco de pobreza para a população empregada aumentou 1,6 pontos percentuais, atingindo uma taxa de 11,2% em 2020, o valor mais elevado dos últimos 10 anos”, refere o instituto de estatística.

20.4.22

Desemprego, baixos salários, patriotismo: o que dizem os dados sobre a origem dos soldados russos mortos na Ucrânia

Sofia Correia Baptista, in Expresso

São oriundos de pequenas cidades e aldeias, onde o nível de vida é baixo. A carreira militar é a única opção para muitos jovens das regiões mais pobres da Rússia

Desde o início da invasão da Ucrânia, a 24 de fevereiro, que a Rússia revela poucas informações sobre as suas perdas no país. De acordo com o mais recente balanço do Ministério da Defesa russo, a 25 de março, morreram 1351 militares, um número muito inferior àquele que é indicado pela Ucrânia – mais de 20 mil.

O serviço russo da BBC analisou os dados de fontes oficiais russas, como responsáveis locais e meios de comunicação, que contabilizavam 1083 militares mortos a 5 de abril. A análise baseou-se apenas em relatórios com informações específicas sobre o falecido, incluindo o nome completo e a patente e, sempre que possível, o local do enterro. Das 85 regiões russas, 80 registaram baixas. Concluiu-se que das perdas oficialmente confirmadas, cerca de 80% são das regiões mais desfavorecidas do país.

Apesar de os soldados russos serem provenientes de diferentes regiões, o especialista em assuntos de defesa e forças armadas russas Pavel Luzin explica ao Expresso que “a principal diferença é socioeconómica: a maioria são de pequenas cidades e aldeias, de regiões e/ou distritos pobres e com baixos níveis de educação”. O exército russo tem conscrição duas vezes por ano (na primavera e no outono), ou seja, os jovens entre os 18 e os 27 anos prestam serviço militar obrigatório. Luzin indica que “os soldados voluntários ou contratados – aqueles que assinaram contratos de serviço militar – são antigos soldados conscritos”.

“A principal motivação deles é a de tentar obter um salário mais elevado do que nas suas cidades e aldeias e não voltar para trás. No entanto, a maioria serve apenas durante um contrato de dois anos porque, quando se tornam um pouco mais velhos e mais autoconfiantes, saem das forças armadas e tentam encontrar um emprego nas grandes cidades”, justifica Luzin, doutorado em relações internacionais. Ainda assim, para o especialista, este “elevador social” não deve ser “sobrestimado”, uma vez que os jovens fazem esta escolha apenas “para tentar atingir algo, porque não sabem o que fazer depois da conscrição” e “é por isso que assinam contratos”.
REGIÕES COM MAIS PERDAS TÊM MAIOR DESEMPREGO E BAIXOS SALÁRIOS

De acordo com a análise da BBC, não há registo de baixas provenientes da capital, Moscovo, o que poderá justificar-se com as poucas unidades militares na zona e com os poucos residentes que se alistam no exército. Além disso, em relação ao serviço militar obrigatório, muitos jovens de classes mais altas conseguem evitá-lo, por exemplo, através da inscrição na universidade, com autorizações médicas ou mesmo pagando subornos.

Já a região do Daguestão regista o maior número de mortes: 93 militares foram lá enterrados. Seguem-se a Buriácia (52), a região de Volgogrado (48), a região de Oremburgo (41) e a Ossétia do Norte (39). No entanto, os números variam e poderão ser muito superiores. No caso do Daguestão, por exemplo, uma rádio local noticiou que pelo menos 130 soldados da região morreram. “É muito difícil encontrar todos os nomes reais, as autoridades não gostam de os publicar e os jornalistas optam por não escrever sobre o assunto, temendo consequências”, disse ao “The Guardian” a jornalista russa Olga Mutovina.

Os dados do portal Statista referentes a 2020 mostram que a região do Daguestão teve a quinta maior taxa de desemprego do país: 16,3%. A Ossétia do Norte (14,9%) e a Buriácia (10,8%) também ficaram entre as dez regiões com valores mais altos. Em fevereiro deste ano, a Rússia registava uma taxa de desemprego de 4,1%.

No Daguestão, o salário médio mensal era de 350 euros em 2020, de acordo com o CEIC Data. Na Ossétia do Norte, este valor desce ligeiramente, para 340 euros. Em Oremburgo, eram 392 euros. Em Volgogrado e na Buriácia, a média sobe para os 402 e 467 euros, respetivamente. Foram oferecidos salários entre os 1900 e os 2400 euros para recrutar soldados no Daguestão para servirem na “operação militar especial” na Ucrânia, segundo o órgão de informação independente russo Meduza.

O desemprego é elevado na região do Daguestao

Na análise às biografias dos russos que morreram na guerra na Ucrânia, encontram-se muitas histórias de homens que estudaram e tentaram ter um emprego estável, mas que depois regressaram ao exército por não terem outras opções. “O exército é um empregador importante para os territórios onde ganhar dinheiro é quase impossível. Ir para o exército garante um salário estável e segurança”, sublinha à BBC a professora Natalia Zubarevich, economista e geógrafa russa especializada no desenvolvimento socioeconómico das regiões.

Um dos exemplos é Mikhail Garmaev, de Ulan-Ude, na região da Buriácia. Depois de terminar a escola, foi para a faculdade, mas não completou os estudos e entrou para o exército como recruta. Depois regressou a Ulan-Ude e conseguiu um emprego numa empresa de instalação de sistemas de alarme mas, após alguns anos, regressou ao exército e assinou um contrato. Morreu perto de Kiev a 6 de março e a 21 foi enterrado em Ulan-Ude.

Os caixões com militares russos mortos na Ucrânia não estão a chegar só a estas regiões russas, mas também a antigos países soviéticos. A BBC relata cinco casos: dois no Quirguistão, dois no Tajiquistão e um na Ossétia do Sul, região separatista da Geórgia e reconhecida pela Rússia. Todos tinham cidadania russa e idades entre os 19 e os 26 anos. “Os migrantes que não tiveram uma boa educação e não encontraram um emprego melhor na Rússia acham a carreira no exército bastante atrativa. E a forte propaganda reforça-o”, explica à BBC Svetlana Gannushkina, ativista dos direitos humanos russa.

SENTIMENTO DE PATRIOTISMO E DEVER

Os discursos e os valores transmitidos aos mais novos também desempenham um papel importante, conforme estudou Allyson Edwards, professora da Universidade de Warwick que se doutorou no ano passado com uma tese sobre o militarismo russo nos anos 1990. “O patriotismo e o dever são um discurso proeminente perpetuado junto dos jovens em todas as áreas da vida” na Rússia, explica ao Expresso. “O cumprimento do dever patriótico é muitas vezes visto como uma continuação do sacrifício do avô ou bisavô”, destaca Edwards.

A especialista aponta que a Rússia “enquadrou as suas forças armadas como um garante de segurança” e também “glorificou o passado de vitória na guerra, criando uma sociedade hierárquica onde a comunidade veterana da Rússia está acima dos restantes”. Esses veteranos da Grande Guerra Patriótica – denominação dos russos para a Segunda Guerra Mundial – são a “maior geração da Rússia: são valorizados em eventos comemorativos, as crianças atuam em concertos para eles e os estudantes são aconselhados a respeitar aqueles que alcançaram a vitória contra a Alemanha nazi”, enumera Edwards.

Desta forma, o “orgulho nos militares” é relevante e “as circunstâncias também ajudam”. “Os discursos atuais sobre os nazis e o mundo hostil contra a Rússia irão, sem dúvida, reunir apoio à causa russa no país – alguns poderão ver o exército como uma forma de cumprirem um papel ou de promover a vitória dos seus antepassados sobre a Alemanha nazi em 1945”, sintetiza.

6.2.20

Salários de 600 a 900 euros substituem ordenados inferiores a 600

Luís Reis Ribeiro, in DN

Estrutura salarial sofreu mudança clara em quatro anos. Há menos 841 mil empregos com salários inferiores a 600 euros e mais 837 mil pessoas a ganhar entre 600 e 900 euros.

Em contrapartida, os empregos com salários mais baixos (inferiores a 600 euros líquidos) perderam importância em igual proporção no conjunto da estrutura dos rendimentos do trabalho. No final de 2015 havia mais de 1,1 milhões de pessoas a ganhar menos de 600 euros. No quarto trimestre, este grupo contava com apenas 328 mil pessoas. É uma redução de 841 mil casos.

Esta transferência de empregos com ordenados baixos para o escalão seguinte de remunerações (superiores) reflete vários fatores que marcaram este período pós-programa de ajustamento.

Certas restrições à contratação coletiva foram levantadas com o final do programa da troika, o salário mínimo foi subindo todos os anos, a economia tornou-se um pouco mais dinâmica, sobretudo nos setores exportadores e tecnológico, o governo eliminou a sobretaxa do IRS (o que eleva o salário líquido) e começou a fazer reposições salariais na função pública.

Resta dizer que nestes quatro anos em análise o mercado laboral apenas destruiu empregos nos dois escalões mais baixos de rendimento. Nos restantes, o saldo final é positivo (ver gráfico).

No grupo dos 900 a menos de 1200 euros, a economia adicionou mais 105 mil empregos; o escalão dos 1200 a menos de 1800 euros líquidos ganhou mais 88 mil empregados; na classe de 1800 a menos de 2500 euros, a subida foi de 40 mil, o grupo de empregos com salários de 2500 a menos de 3000 euros somou mais cinco mil casos; e o escalão de topo (3000 euros ou mais) ganhou mais nove mil pessoas.

Com isto, o salário médio da economia subiu 1,8% no quarto trimestre de 2019 face a igual período de 2018, fixando-se agora nos 912 euros. Face ao final de 2015, o aumento ronda os 9%.

O fim de um ciclo positivo?
Mas acumulam-se os sinais de que o mercado de trabalho pode ter terminado o seu período de recuperação mais efusivo. Nesta quarta-feira, o INE revelou que a taxa de desemprego terminou o ano a subir de forma pronunciada após um longo período de declínio.

Além disso, o peso do desemprego na população ativa agravou-se de 6,1% no terceiro trimestre para 6,7% no último trimestre do ano passado. É o maior aumento desde o início de 2013, estava o país mergulhado numa grave crise económica e social.

Desemprego começa a atacar o norte e Lisboa metropolitana
As duas regiões afetadas pelo alastramento da intensidade do desemprego foram o norte e a Grande Lisboa. Em ambas, a taxa de desemprego subiu de 6,7% no quarto trimestre de 2018 para 7,1% no último trimestre de 2019. As restantes regiões ainda registaram descidas nas respetivas taxas de desemprego.

Mas o panorama geral é pouco positivo. O número de pessoas sem trabalho aumentou pela primeira vez em mais de seis anos entre o último trimestre de 2018 e igual período do ano passado. "A população desempregada, estimada em 352,4 mil pessoas, aumentou 9% (mais 29 mil) em relação ao trimestre anterior e subiu 0,9% (mais 3,3 mil desempregados)" em relação a igual trimestre de 2018″, refere o instituto. Este aumento de quase 1% "interrompe a sequência de decréscimos observados desde o terceiro trimestre de 2013".

O INE explica que a subida no desemprego afetou sobretudo mulheres e o universo das pessoas com idades entre os 25 e 34 anos, com ensino secundário completo e à procura de primeiro emprego (os que tentam entrar no mercado de trabalho pela primeira vez).

A criação de emprego também está a perder bastante vigor, mostram as estatísticas oficiais. "Em relação ao trimestre homólogo de 2018, a população empregada aumentou 0,5% (24,6 mil pessoas)". Esta é a mais fraca desde meados de 2016 (dos últimos três anos e meio).

24.9.18

"Pior do que a precariedade vão ser os baixos salários"

Lucília Tiago, in Diário de Notícias

De passagem por Lisboa para participar na conferência O Trabalho Dá Que Pensar, promovida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, Juan José Dolado, economista e professor catedrático no Departamento de Economia da Universidade Carlos III de Madrid, falou com o DN/Dinheiro Vivo sobre o futuro do emprego, acentuando que a redução do desemprego a que a Europa tem assistido nestes últimos anos veio acompanhada de empobrecimento. E vai continuar.

Na conferência, falou do Estado social nestes tempos de Uber. A uberização das relações são uma ameaça tão grande do Estado social como o envelhecimento da população?
A Uber é uma componente muito pequena da economia de partilha. Há muitas plataformas que contratam em todo o mundo e há muita gente que trabalha nestas atividades para ter um complemento de rendimento. Estes trabalhadores vão fazer descontos sobre rendimentos mais baixo e as receitas das contribuições ressentem-se. Mas, por outro lado, todos estes trabalhadores vão produzir mais porque a economia partilhada está a crescer. E vai crescer mais. A base de pessoas que fazem desconto vai aumentar, mas vai haver um risco, claramente.
Ainda assim, pode dizer-se que a maior ameaça ao Estado social está no envelhecimento da população e na evolução demográfica?
Sim, porque o sistema de pensões deixará de ser sustentável. No futuro, haverá mais gente a descontar, mas a descontar menos porque têm trabalhos pequenos.

As pensões que vão ser pagas serão também mais pequenas?
As pensões terão de baixar. A não ser que tenhamos imigrantes em número suficiente para cobrir a redução das contribuições. E por isso a atitude da Europa face às crises migratórias e as restrição à entrada de imigrantes são um pouco contraditórias, porque dentro de 10 ou 15 anos vamos precisar de todos os [imigrantes] que estamos agora a expulsar. À medida que vamos envelhecendo vamos perdendo capacidades e, num mundo onde as tecnologias precipitam as mudanças, as pessoas mais velhas vão sofrer mais do que as mais jovens. As empresas irão cada vez mais investir na robotização, sobretudo daqueles setores em que há uma população ativa mais velha, porque sabem que as suas capacidades vão reduzir-se, com a agravante de que ganha mais porque está mais protegida.

É uma realidade que acabará por chocar com a necessidade de promover o envelhecimento ativo…

O que se pode fazer é investir mais na formação das pessoas mais velhas. A educação hoje já não acaba aos 20 ou aos 25 anos, acaba aos 65.

Dar incentivos às empresas para manterem os trabalhadores velhos é uma solução?
Incentivar [as empresas] a manter trabalhadores que não são produtivos não faz sentido. Precisamos de mais pessoas para cuidar dos mais velhos, e os mais velhos que têm condições para isso podem ocupar-se destas tarefas, que são menos tecnológicas e que envolvem mais comunicação humana, envolvimento pessoal - o que as máquinas não conseguem fazer.

Não conseguem, pelo menos por enquanto...
Por muito tempo. Por exemplo, uma máquina não consegue limpar um quarto de hotel. Pelo menos nestes próximos tempos essa é uma tarefa que não será para máquinas porque cada pessoa deixa o quarto de forma diferente e as máquinas necessitam de procedimentos estandardizados. Outra coisa é a qualidade e a remuneração deste tipo de trabalho. Todo este projeto tecnológico não vai tanto destruir emprego mas reduzir salários e, logo, as contribuições para a Segurança Social.

A robotização e a inteligência artificial já estão e vão a continuar a destruir muitos empregos. Vai ser possível criar novos noutras áreas que compensem os que vão acabando?
Obviamente vai haver destruição de emprego nos próximos cinco, dez anos. Mas haverá empregos que vão ser recuperados noutros setores. Se há algo que a história nos ensinou foi isso. Na Revolução Industrial todas a pessoas que trabalhavam na indústria têxtil foram substituídas pelas máquinas. Quando apareceu a eletricidade, os automóveis e as tecnologias de informação houve sempre trabalhadores que perderam emprego e outros que ganharam. Há dois fatores de arrastamento: estas revoluções baixaram os preços dos produtos e com isso aumentou o consumo, e isso faz que haja mais empregos onde o consumo subiu. Um dos oradores desta conferência, [professor] do MIT (Massachusets Instituto of Technology) tem um trabalho que mostra que em dez anos ter-se-ão compensado e recuperado as perdas de emprego em alguns setores. Foi o que aconteceu quando apareceu a internet e em que todas as pessoas que escreviam à máquina perderam o seu emprego e houve que aprender a usar processadores de texto. Portanto, acho que não vai haver problema. Vai haver problema é a nível da economia das plataformas, porque a descarregar uma aplicação há muitas tarefas que ser feitas pelo próprio. E nos próximos dez anos o emprego nesses setores vai cair.

Quemvai resistir ou saber adaptar-se e responder melhor? Ou seja, um estudante que está a preparar-se para entrar para a universidade deverá apostar em que áreas?
O mundo está a mudar e vai ser necessário saber um pouco de tudo. A especialização não vai ser boa. Claro que se me especializo em algo e tenho muito sucesso sou uma superestrela, mas é melhor saber um pouco de tudo. É necessário ter estudos e capacidades que os robôs não vão poder substituir, como por exemplo na medicina, nos cuidados sociais.

O desemprego em Portugal e na Europa está a diminuir há vários trimestres. Como avalia esta tendência?
Há uma parte desta diminuição do desemprego que é estrutural porque muitas instituições e empresas que eram ineficientes reformaram-se durante a crise - algumas demasiado. Mas esta redução do desemprego veio acompanhada de um empobrecimento, de um aumento de não assalariados, de trabalhadores independentes, de pessoas com salários mais baixos e os efeitos vão sentir-se. Já estamos a viver o problema das pensões e creio que em dez anos o problema das pensões vai agravar-se.

Em Portugal está a ser feita uma mudança na lei laboral que procura limitar a precarização das relações laborais. Mas este é um problema que vai acentuar-se em termos globais?
As pessoas precisam de um ambiente de estabilidade porque, caso contrário, não conseguem trabalhar decentemente. Se estivermos preocupados que nos vão despedir amanhã, não conseguimos trabalhar bem. Mas é muito negativo que haja trabalhadores com muita proteção e outros sem proteção nenhuma. Esta dualidade faz que as empresas tenham menos vontade de transformar um vínculo instável num estável porque sabem que no futuro, se tiverem de o despedir, será mais caro. Seria muito melhor que a indemnização (por despedimento) dos precários e dos não precários fosse igual. O que temos de fazer é diminuir o gap entre precários e não precários porque se não for assim cria-se um problema geracional, criam-se atritos entre os pais, que têm empregos estáveis, e os filhos que são precários. É o que se passa com as pensões e a educação: os filhos pagam as pensões dos pais porque estes pagaram a sua educação. Se houver problemas com a educação teremos problemas com as pensões, porque em algum momento os filhos vão perguntar para que hão de continuar a pagar as pensões dos pais se eles já não conseguem pagar a sua educação? O mesmo se passa com os precários e não precários: para que vou ajudar os meus pais se são eles que não me dão a oportunidade de ser estável?