24.2.20

Demolição de quinta clandestina deixa dezenas de famílias sem casa

Francisco Alves Rito, in Público on-line

Instituto da Habitação invoca condições de salubridade e segurança para intervenção com “carácter urgente” na Quinta da Parvoíce, em Setúbal. Bispo e padre vão estar hoje ao lado dos moradores.

A informação consta de editais afixados nas casas visadas pelo instituto público e que o PÚBLICO leu no local, na tarde deste sábado. Intitulado “demolição e limpeza de terreno”, um dos editais informa os moradores que devem desocupar o espaço. “Este terreno, propriedade do IHRU, por questões de salubridade e saúde pública, irá ser alvo de um procedimento de limpeza/demolição e de instalação de meios de restrição de acesso ao terreno, a partir de dia 24 de Fevereiro”, lê-se no edital afixado na semana passada.

O outro documento, semelhante, que foi afixado há quase 15 dias, informava que o IHRU “detectou a existência de material combustível e de situações de ocupação e ou de utilização não autorizada de uma área do referido terreno, pelo que irá limpá-lo e proceder à instalação de meios de restrição de acesso ao mesmo no dia 24 de Fevereiro e remover quaisquer bens, produtos ou resíduos nele existentes”.
Este edital dá prazo, até esse mesmo dia, para que os “eventuais interessados” retirem os bens, ou, caso contrário, a manutenção dos bens no terreno será “entendida como uma declaração inequívoca de que aqueles não têm dono ou estão abandonados, tendo o IHRU o direito de lhes dar o destino mais apropriado”.

A parte do terreno objecto desta acção do IHRU é a mais distante da estrada, onde a construção de novas casas é visível, com muitas ainda em tijolo. Mas os moradores garantem que todas estão habitadas e justificam a construção de novas habitações com a falta de alternativas. Na parte mais antiga da Quinta da Parvoíce, junto à entrada principal, não haverá intervenção do IHRU por tratar-se de uma área que está sob tutela da Câmara Municipal de Setúbal.

Bispo de Setúbal ao lado dos moradores
O bispo de Setúbal, D. José Ornelas, vai estar junto aos moradores, esta segunda-feira de manhã, à espera do início da intervenção do IHRU, disse ao PÚBLICO o padre Constantino Alves, que há muitos anos acompanha as famílias residentes neste local. “O senhor bispo estará presente por volta das 9 horas da manhã e eu estarei mais cedo”, assegurou o pároco. Os responsáveis da Igreja em Setúbal pedem uma reunião urgente entre instituto, Segurança Social e autarquias para resolver o problema sem desalojar as pessoas.


Este sábado, o bispo e o padre estiveram no local e prometeram apoiar os moradores, não apenas com a sua presença na segunda-feira, mas também com a análise jurídica de um advogado que irá, com os residentes, tentar encontrar forma de travar as demolições. “Fazer uma coisa destas é desumano. As entidades têm de arranjar soluções, respostas sociais e com tempo”, disse o padre Constantino Alves. O pároco apela às entidades envolvidas para uma reunião “urgente” que permita resolver o problema.

Constantino Alves dá o exemplo da antiga Mecânica Setubalense, em que a actuação concertada permitiu alojar “todos os moradores” noutros bairros da cidade. “Parem e vamos dialogar”, pede o pároco.

Famílias com crianças, doentes e idosos dizem não ter para onde ir
A família Bandeira, que inclui três filhos menores, é uma das que vivem nas casas indicadas para demolição. O pai, João Bandeira, conta que é pedreiro e que já foi motorista de camiões. A mãe trabalha actualmente como cozinheira. “Sou polivalente, já trabalhei na hotelaria e na limpeza”, diz. Segundo o casal, a filha mais velha tem um problema de saúde.
Na parte nova da Quinta da Parvoíce, que o IHRU pretende demolir, vivem, segundo os moradores, 40 pessoas, em 14 casas. São famílias com crianças, um jovem com deficiência, e duas mulheres com doenças oncológicas, uma das quais já com idade avançada.

O grupo que integra a comissão de moradores – Jorge Pimenta, Manuel Caiuca, Kisiso Gabriel Paulo e João Bandeira – reconhece que a construção clandestina tem crescido na quinta, mas diz não haver alternativas. “Há mais casas porque é a carência. Não temos para onde ir e dormir na rua é arriscado”, diz Gabriel Paulo. Outro membro recorda que “também ninguém veio proibir a construção até hoje”. Jorge Pimenta, representante dos moradores, depois da afixação dos editais, foi a Lisboa, à sede do IHRU, mas “ninguém soube dar resposta”.

O padre Constantino diz que, pelo facto de as casas serem clandestinas, não podem ter ligação de electricidade, água e saneamento, pelo que são feitas “puxadas”, para contar que há seis meses a Águas do Sado cortou o abastecimento. Entretanto, após intervenção da paróquia e da Cáritas Diocesana, atendendo à dignidade humana, a ligação da água foi restabelecida pela empresa. “Sem água como é que as crianças tomam banho para irem à escola?”, pergunta Gabriel Paulo.