16.6.23

Medidas do Mais Habitação arriscam-se a violar regras da protecção de dados

Rafaela Burd Relvas, in Público

As alterações que o Governo propõe fazer ao Balcão Nacional do Arrendamento e ao reporte de informação sobre imóveis devolutos podem violar o RGPD, alerta a Comissão Nacional de Protecção de Dados.

Há duas medidas incluídas no Mais Habitação que, tal como estão formuladas, poderão vir a violar as regras do Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD), se não sofrerem ajustes para acautelar esse risco. O alerta, relativo às alterações que são propostas ao Balcão Nacional do Arrendamento e à legislação que define o conceito de prédios devolutos, é feito pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), que recomenda ao Governo que faça várias mudanças ao pacote legislativo lançado para dar resposta à crise habitacional.

Apresentado no passado mês de Fevereiro e já aprovado na generalidade na Assembleia da República, tendo também passado por uma consulta pública, o Mais Habitação vai começar, em breve, a ser discutido e votado na comissão parlamentar da especialidade. Por esta altura, são vários os pareceres e contributos sobre esta proposta legislativa do Governo que têm chegado ao Parlamento. É neste âmbito que a CNPD entrega o seu próprio parecer, identificando duas medidas que poderão vir a ter de ser alteradas.

Desde logo, a CNPD aponta para as alterações que o Governo propõe fazer ao Decreto-lei n.º 159/2006, a legislação que regula os casos em que os imóveis são considerados devolutos para efeitos de aplicação de uma taxa agravada de imposto municipal sobre imóveis (IMI). O Governo propõe que o actual “dever de cooperação” a que as empresas de telecomunicações e de fornecimento de água, gás e electricidade estão sujeitas passe, na prática, a um “dever de comunicação”.

Traduzindo: até agora, estas empresas apenas devem prestar aos municípios, “mediante solicitação escrita”, a informação necessária, relativamente à existência de contratos e aos consumos existentes em cada imóvel, para se determinar se esse imóvel se encontra desocupado. Na medida agora apresentada, propõe-se que estas empresas passem a ter de “enviar obrigatoriamente” esta informação aos municípios, até ao dia 1 de Outubro de cada ano, independentemente de a informação ter sido, ou não, solicitada.

É esse reporte de informação obrigatório que poderá violar as regras da protecção de dados. “As circunstâncias referenciadas impõem que as empresas de telecomunicações, distribuidoras de gás, electricidade e água, aquando da recolha de dados pessoais junto do respectivo titular, informem este do seguinte: da possibilidade de existência de decisões automatizadas para traçar o perfil de ausências de consumos ou de consumos baixos (...); da possibilidade de essas mesmas empresas, no cumprimento do dever de comunicação para efeitos de tributação fiscal, informarem os municípios, assim como a Autoridade Tributária e Aduaneira, dos dados pessoais abrangidos por esse dever”, considera a CNPD.

Ao mesmo tempo, também as entidades que vierem a receber a informação sobre os proprietários dos imóveis em causa deverão informá-los disso mesmo. “Por sua vez, tanto os municípios como a Autoridade Tributária e Aduaneira, quando obtiverem esses dados pessoais através das referidas entidades empresariais na implementação do referenciado dever de comunicação, devem igualmente informar os titulares dos dados pessoais dessa ocorrência”, acrescenta a CNPD. Em causa está o artigo 14.º do RGPD, que determina que, quando os dados pessoais obtidos por uma entidade não são recolhidos junto do titular desses dados, há uma série de informações sobre a recolha dos dados que tem de ser fornecida ao titular dos mesmos.

A segunda medida que levanta dúvidas à CNPD diz respeito à criação do Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS), uma nova entidade que o Governo propõe criar para substituir o Balcão Nacional do Arrendamento, figura criada em 2012 para tutelar os procedimentos especiais de despejo. Esta nova entidade, propõe-se, passará a tratar não só dos processos de despejo, mas também da injunção em matéria de arrendamento, ferramenta jurídica destinada a proteger os direitos do arrendatário, nomeadamente em casos de execução de obras ou correcção de deficiências do imóvel arrendado.

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