Sérgio Aníbal, in Público online
Numa conjuntura de inflação alta e juros a subir, a Alemanha vê ainda o seu modelo económico baseado na indústria exportadora revelar sérias fragilidades.É na sua maior economia que a Europa tem o maior problema para fugir a uma recessão. A Alemanha está há cinco trimestres estagnada e as perspectivas para os próximos meses não são melhores, fruto não só da conjuntura difícil de preços e taxas de juro, mas também das fragilidades estruturais que estão a abalar o modelo de crescimento baseado na força da sua indústria exportadora.
O medo, entre os alemães, é que se esteja a voltar a uma situação semelhante à vivida nos últimos anos do século passado. A economia alemã, depois de um período de expansão pós-pandemia, tinha caído num cenário de estagnação e de desemprego muito elevado que levou a revista The Economist a classificar o país como “o homem doente da Europa” (“the sick man of Europe”, em inglês).
Nessa altura, foram postas em prática reformas significativas no mercado de trabalho e, com a ajuda preciosa do lançamento do euro, que permitiu ao sector exportador alemão ganhar competitividade face aos seus parceiros comerciais, a economia alemã ficou novamente mais forte, reforçando ainda mais o seu estatuto de maior economia europeia.
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A economia alemã é neste momento a única, entre as maiores do planeta, para a qual o Fundo Monetário Internacional está a prever uma variação negativa do PIB no total deste ano, já que as expectativas são, na segunda metade, tão negativas ou mesmo piores do que aquilo que tem vindo a acontecer nos últimos trimestres.
“Não existem neste momento dados a apontar para uma recessão profunda, mas a verdade é que a Alemanha está presa numa estagnação. E existe o risco de que esta estagnação continue até ao próximo Inverno, com ameaças então ainda a pairar sobre o fornecimento de gás ao país”, explica ao PÚBLICO o presidente do instituto de análise económica Ifo, Clemens Fuest.
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O mesmo cenário é antecipado por Veronika Grimm, que pertence desde 2020 ao Conselho Alemão de Especialistas Económicos.
“A Alemanha irá provavelmente permanecer num período de estagnação durante algum tempo. Não espero uma recessão profunda, mas uma recuperação vai ser difícil”, afirma a economista.
De facto, os indicadores já conhecidos e que dão pistas sobre a forma como a economia está a evoluir têm apresentado resultados desanimadores em Julho, indiciando um prolongamento da apatia da economia no terceiro trimestre do ano.
Em particular, os indicadores de actividade industrial registaram uma deterioração, apontando para uma contracção da produção na indústria que pode ser o suficiente, apesar de uma maior resistência dos serviços, para empurrar a actividade global da economia novamente para terrenos negativos.
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Em Julho, de acordo com os dados publicados esta semana, o indicador PMI que avalia a evolução da actividade no sector industrial e dos serviços caiu de 50,6 para 48,5 pontos, o que significa que se estará agora numa fase de contracção (algo que acontece quando este indicador fica abaixo dos 50 pontos).
A travar a Europa
A economia alemã está, como a generalidade dos países europeus, com a conjuntura difícil de taxas de inflação ainda altas e taxas de juro que não param de subir. Isso afecta a confiança de empresas e famílias e limita a sua capacidade financeira para investir e consumir.
Ainda assim, a Alemanha, com níveis de endividamento dos agentes económicos relativamente baixos e com empréstimos maioritariamente feitos a taxa fixa, não é, no panorama europeu dos países mais afectados pela política monetária mais restritiva do Banco Central Europeu (BCE). Não é isto que explica que a maior economia da zona euro seja neste momento aquela que menos cresce.
O problema da Alemanha é que junta a esta conjuntura desfavorável para o crescimento uma série de problemas de carácter estrutural, que fazem com que o seu modelo de crescimento baseado numa enorme indústria exportadora, que muitos sucessos deu à economia do país, esteja agora sob ameaça.
“A questão estrutural mais importante que a Alemanha enfrenta é o foco do país na sua indústria automóvel e em outras indústrias muito intensivas em energia, como a química. A transformação do sector automóvel em direcção aos carros eléctricos põe em causa as vantagens competitivas da Alemanha e os segmentos de energia mais intensiva da indústria química vão sentir dificuldades em lidar com os preços da energia na Alemanha, que deverão permanecer altos por muito tempo”, assinala Clemens Fuest.
Há ainda mais alguns desafios a acrescentar à lista de dificuldades que a economia alemã terá de enfrentar nos próximos anos. A evolução demográfica do país faz com que a escassez de mão-de-obra, apesar de se reflectir numa contenção significativa da taxa de desemprego, crie obstáculos ao crescimento da economia. E a falta de investimento das últimas décadas, especialmente em infra-estruturas, não ajuda a economia a aumentar agora a sua produtividade.
“Não é tanto o desemprego, mas sim o investimento que vai ser o indicador-chave para o desempenho económico futuro”, afirma Veronika Grimm.
Por fim, há ainda a dificuldade que a Alemanha tem vindo a sentir com dois grandes clientes das suas exportações. A economia chinesa está a abrandar. O gigante asiático tem para a Alemanha uma importância crescente como cliente das suas exportações e a verdade é que já não se pode esperar que a China continue a crescer nos próximos anos ao mesmo ritmo que cresceu nas últimas décadas. E os EUA estão a implementar políticas cada vez mais proteccionistas, que procuram trazer para território norte-americano algumas das indústrias que a Alemanha se habituou a dominar.
Muito dependente da sua indústria exportadora, a Alemanha vê nas tensões crescentes que se vivem nas relações comerciais internacionais um risco de larga escala, a que está a tentar responder com um misto de cautela diplomática e de implementação progressiva de uma política de apoio à sua indústria que responda àquilo que está a ser feito pelos Estados Unidos da América (EUA).
As más notícias para a Alemanha na frente económica não podem deixar de ser más notícias para o resto da Europa. Como afirma o presidente do Ifo, “a Alemanha irá atrasar a recuperação económica na zona euro como um todo”.
Para a tarefa do BCE de trazer a inflação para perto da meta dos 2%, aquilo que está a acontecer na Alemanha até pode ajudar, porque para além da diminuição mais forte da procura, começa a ser evidente o efeito que a incerteza económica na indústria alemã já está a ter nas negociações salariais para os próximos anos. Os aumentos que poderiam resultar da actual escassez de mão-de-obra vão ser limitados pelo medo das empresas em aumentar os seus custos e dos trabalhadores de virem no futuro a perder os seus empregos.
A dúvida está em saber se, para lá da luta contra a inflação, não irão a Alemanha e o resto da Europa cair numa recessão mais profunda e longa.
“A Alemanha vai contribuir para travar o crescimento na UE. É importante que a Alemanha e os outros países juntem forças para agir em conjunto, por exemplo, no que diz respeito a aumentar a oferta de energia a nível europeu”, afirma Veronika Grimm.
Um pedido de ajuda alemão aos seus parceiros que surge numa altura em que ainda não foi possível na Europa chegar a um consenso relativamente às novas regras orçamentais ou à criação de um orçamento permanente da zona euro.
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