7.8.23

Governo britânico anuncia parceria com redes sociais para “parar os barcos” de migrantes

António Saraiva Lima, in Público


Facebook, Twitter e TikTok vão colaborar com a Agência Nacional do Crime para remover conteúdo online que encoraje migrantes e requerentes de asilo a fazerem a travessia do canal da Mancha.

O Governo do Reino Unido anunciou este domingo uma “parceria voluntária” entre a Agência Nacional do Crime (NCA, na sigla em inglês) e várias empresas detentoras de redes sociais no âmbito do combate à imigração irregular. O objectivo da colaboração é identificar e remover conteúdo online que possa encorajar migrantes e requerentes de asilo a fazerem a travessia do canal da Mancha.


Segundo Downing Street, a parceria inclui a Meta (proprietária do Facebook e do Instagram), o X (antigo Twitter) e o TikTok e enquadra-se na política promovida com afinco pelo primeiro-ministro conservador, Rishi Sunak, e pela sua equipa, para diminuir a entrada de migrantes no país — uma das promessas dos promotores do “Brexit” — e para travar as redes de tráfico humano que operam na região.

“Embora os dados da NCA mostrem que mais de 90% do conteúdo online relacionado com o tráfico de seres humanos seja removido quando as empresas de redes sociais são notificadas, esta parceria entre as empresas tecnológicas e o Governo irá impulsionar os esforços para desmantelar as tácticas utilizadas pelos gangues criminosos que usam a Internet para aliciar as pessoas a pagarem pelas travessias”, lê-se no site do executivo britânico.

“Este conteúdo pode incluir ofertas de descontos para grupos, lugares vagos para crianças, ofertas de documentos falsos e garantias falsas de travessia segura”, exemplifica o Governo, acrescentando que este tipo de propostas “visam pessoas vulneráveis, para a obtenção de lucro, e põem vidas em risco com viagens perigosas e ilegais.”


Governo britânico anuncia parceria com redes sociais para “parar os barcos” de migrantes
A par da parceria — que se sustenta numa colaboração iniciada em 2021, que, segundo o executivo tory, já levou à remoção de 4700 páginas, publicações e contas em redes sociais — o Governo anunciou a criação de um novo centro especializado, liderado pela NCA e pelo Ministério do Interior, com financiamento de 11 milhões de libras (cerca de 12,8 milhões de euros), destinado a combater este tipo de conteúdo online.

“Stop the Boats”

Conhecida como “Stop the Boats” (“Parar os barcos”), a proposta política de redução da imigração, que tem como principais rostos o próprio Sunak e a ministra do Interior, Suella Braverman — dois descendentes de imigrantes — é uma das cinco grandes prioridades do Governo até às próximas eleições legislativas, previstas para 2024, e pretende responder ao número recorde de travessias no canal da Mancha (mais de 40 mil em 2022).



Muitos dos migrantes que fazem o trajecto vêm de países e regiões em conflito ou onde são alvo de perseguição, como o Afeganistão, a Síria ou o Norte de África; mas também há muita gente a chegar de países do Leste europeu, como a Albânia, que o Governo conservador trata como “migrantes económicos”.
A política “Stop the Boats” assenta, sobretudo, numa polémica lei, aprovada recentemente, que diz que os migrantes que cheguem ao país através do canal ou de outras vias consideradas “ilegais” podem ser detidos, expulsos e impedidos de pedir asilo político no Reino Unido, e que dá poderes ao Ministério do Interior para autorizar a sua transferência para os países de origem ou para “países terceiros seguros”.


Entre esses países “seguros” está o Ruanda, Estado africano localizado a mais de seis mil quilómetros do território britânico, que tem um historial conhecido de pouco respeito pelos direitos humanos, e que entrou nesta equação no âmbito de um programa negociado entre o antigo primeiro-ministro Boris Johnson e o Governo ruandês, no qual este aceitou acolher requerentes de asilo a troco de fundos de Downing Street.


Labirinto ruandês

Criticado por praticamente todos os partidos da oposição, pela Igreja Anglicana, pelas Nações Unidas, pela Comissão Europeia, por centenas de organizações de direitos humanos e de apoio aos refugiados e por alguns membros do Partido Conservador — como a antiga primeira-ministra Theresa May —, o programa foi, no entanto, declarado ilegal em Junho, depois de o Tribunal de Recurso de Inglaterra e do País de Gales ter revertido uma decisão do Tribunal Superior, após concluir que o Ruanda “não é seguro” e tem um sistema de asilo “deficiente”.

Enquanto aguarda pelo veredicto decisivo do Supremo Tribunal (a mais alta instância judicial do Reino Unido) para poder implementar o “plano Ruanda”, o Governo vai concebendo mais ferramentas políticas, legislativas e administrativas dissuasoras — como um acordo bilateral com França para a criação de um novo centro de detenção de migrantes e para o reforço do patrulhamento da costa francesa — e reforçando a mensagem de que as suas políticas estão a contribuir para a diminuição do número de travessias.

Em Junho, o primeiro-ministro britânico garantia que esse número tinha decrescido 20% nos primeiros cinco meses de 2023, face ao mesmo período no ano passado. Este domingo, a Sky News informa que, de acordo com os seus cálculos, quase 15 mil pessoas cruzaram o estreito de Dover em pequenas embarcações, o que representaria uma diminuição de 15% em comparação com 2022.

“Para parar os barcos, temos de combater o modelo de negócio dos contrabandistas infames na fonte. Isso significa acabar com as suas tentativas de aliciamento de pessoas para fazerem estas travessias ilegais, e de obterem lucros colocando vidas em risco”, afirmou Rishi Sunak, numa reacção à nova parceria. “Este novo compromisso com empresas tecnológicas permitir-nos-á redobrar os nossos esforços para combater estes criminosos.”


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