Inês Cardoso, in Jornal de Notícias
Um ano depois da primeira proposta legislativa do Governo entrar em discussão pública, o Parlamento aprova hoje a versão final da nova Lei de Imigração. A introdução da figura do "imigrante empreendedor", o alargamento de direitos de estrangeiros vindos para Portugal ao abrigo do reagrupamento familiar e a penalização de quem fomente o casamento por conveniência são algumas das novidades introduzidas durante o trabalho na especialidade.
A morosidade do processo legislativo, que vários partidos consideram ser compensada pelo "consenso alargado conseguido", não permitiu chegar à chave para apagar as duas principais críticas das associações de imigrantes a manutenção de um regime de quotas (embora formalmente esta designação desapareça) e o facto de ser excluída a legalização de estrangeiros já a residir no país.
A Plataforma das Estruturas Representantes das Comunidades Imigrantes em Portugal irá dar conta das posições face ao diploma em conferência de Imprensa a realizar, esta manhã, na Casa do Brasil. Sem querer levantar o véu quanto a questões de pormenor, Gustavo Behr, presidente da Casa do Brasil, e Timóteo Macedo, da Solidariedade Imigrante, recordam serem estes os dois pontos contestados desde o início (ver destaques).
Mais harmonioso é o tom pelo qual alinha a maioria das bancadas parlamentares. Com uma excepção, o CDS-PP, que apenas esta manhã tomará uma decisão final quanto ao sentido de voto. Nuno Magalhães, que integrou o grupo de trabalho da 1ª Comissão constituído para compatibilizar propostas, sustenta que apenas foram introduzidas "alterações de pormenor".
O CDS considera demasiado aberta a formulação do artigo 59º da proposta de lei, que permite a concessão de visto de trabalho a quem beneficie "de uma manifestação individualizada de interesse da entidade empregadora".
Feito este parêntesis, apesar de naturais divergências pontuais a nova lei, que terá agora de ser regulamentada, merece aplausos à Esquerda e à Direita. Para o deputado comunista António Filipe, "pela primeira vez em muitos anos não é uma lei de retrocesso". Destaca positivamente o facto de a autorização de residência passar a ser o regime regra, acabando-se com outras autorizações precárias.
"É significativo que tenha sido acolhida uma grande parte do projecto apresentado pelo CP", afirma. Aponta contributos no âmbito do reagrupamento familiar (em que o estatuto dos acolhidos passa a ser idêntico ao do imigrante que solicita o reagrupamento) e em aspectos formais, como é o caso de o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) passar a ter de informar todos os serviços públicos (da Segurança Social às Finanças) quando um cidadão se legaliza.
Em consonância com as associações de imigrantes, lamenta terem-se mantido "vícios estruturais que vêm do passado", como a fixação de quotas condicionadoras de entradas ou "o poder discricionário do SEF". Ainda assim, admite que "se abre um conjunto significativo de possibilidades de legalização".
Pela voz do PSD, Feliciano Barreiras Duarte - que no anterior Governo de coligação teve, no papel de secretário de Estado, esta pasta a seu cargo - classificou a introdução do conceito de imigrante empreendedor como "a medida mais emblemática" proposta pelo PSD. O artigo 60º prevê, nesta versão final, a atribuição de visto de residência a quem pretender investir em Portugal, desde que demonstre capacidade financeira ou tenha já efectuado investimentos.
A introdução de mecanismos para apoio judiciário a cidadãos estrangeiros, alargamento de prazos a favor de imigrantes e ligação mais clara às Regiões Autónomas são outras alterações de iniciativa do PSD, que não regateia elogios ao Executivo.
"Tivemos a mesma disponibilidade para colaborar que o Governo demonstrou ao não ignorar o trabalho por nós deixado", afirma Feliciano Barreiras Duarte, recordando que a Lei da Nacionalidade (aprovada no ano passado) foi esboçada pela sua equipa. "Sempre vimos esta Lei de Imigração como um seguimento da da Nacionalidade".
Contingente de oportunidades sucede a sistema de quotas
Recusado qualquer processo extraordinário de legalização
A mudança será real ou meramente semântica? Esta é a dúvida que divide Governo e partidos de Esquerda que, em concordância com as associações de imigrantes, duvidam do fim do sistema de quotas como reguladoras de entradas. No novo regime prevê-se um "contingente global de oportunidades de emprego", fixado anualmente pelo Conselho de Ministros, mediante parecer prévio da Comissão Permanente da Concertação Social. Está igualmente prevista a criação de uma bolsa de emprego acessível através da internet, a gerir pelo Instituto do Emprego e da Formação Profissional. A falência do sistema de quotas é evidente olhando para os últimos números divulgados em 2004 as entidades empregadoras manifestaram interesse na contratação de 12 mil estrangeiros, mas só 3.727 vagas tinham sido preenchidas no final do ano passado.
As contas variam consoante quem as tenta fazer, mas as da Solidariedade Imigrante indicam que possam viver em Portugal mais de 80 mil imigrantes ilegais. Muitos deles poderão beneficiar da nova lei (ver destaques ao lado), mas a abertura de portas não é, de todo, automática. O Ministério da Administração Interna manteve-se desde início intransigente na recusa de um processo extraordinário de legalização mas a plataforma de associações considera que "o problema real" de quem vive na ilegalidade deveria ser prioritário. Em Agosto, quando a proposta de lei foi aprovada pelo Conselho de Ministros, a crítica foi partilhada por diversas estruturas de sensibilidades bem diferentes - da central sindical CGTP-in à Obra Católica Portuguesa para as Migrações -, que se insurgiram contra o carácter "economicista" do diploma.