Helena Norte, in Jornal de Notícias
Portugal é segundo país da União Europeia que menos contribuiu para diminuir a pobreza no Mundo. No ano passado, a ajuda financeira correspondeu a 0,21% do Produto Interno Bruto (PIB), significativamente abaixo dos 0,33% que vários países, incluindo o nosso, se comprometeram a doar. No relatório de avaliação da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, a Concord - Confederação Europeia das Plataformas Nacionais de ONGD (organizações não-governamentais de desenvolvimento) desmonta a hipocrisia dos discursos oficiais e conclui que, afinal, um terço do propalado apoio não se trata de ajuda real.
As aparências enganam. E os números também. À primeira vista, parece que a ajuda da Europa aos países pobres aumentou substancialmente nos últimos anos. Mas não é bem assim. A maioria dos países faz uma camuflagem da ajuda real ao de-senvolvimento integrando, nesse capítulo, outros itens, como o perdão de dívidas, que, embora sejam acções de apoio, não constituem auxílio financeiro directo para diminuir a pobreza, denuncia o documento que é hoje divulgado, em Bruxelas. No caso de Portugal, bem como de Itália, Grécia e Espanha, não foram cumpridos os mínimos acordados pela União Europeia, mesmo se forem consideradas as dívidas perdoadas. Descontando esses valores, a França, a Alemanha e a Áustria também falharam o objectivo.
A contribuição de Portugal, no ano passado, foi de 312 milhões de euros. Só a Itália contribuiu menos, em termos proporcionais. De acordo com as contas da Concord - confederação que integra as plataformas nacionais representantes de cerca de 1600 organizações não-governamentais de desenvolvimento de toda a Europa -, o nosso país não só não cumpriu a meta traçada para 2006 como muito provavelmente não irá atingir a meta definida para 2010 (0,51% do PIB, correspondendo a 782 milhões de euros). Mais grande parte daquele valor não representa ajuda real.
João Fernandes, director-executivo da Oikos - Cooperação e Desenvolvimento, uma das ONGD consultadas para a elaboração do relatório, explicou ao JN que mais de metade da anunciada ajuda pública é, na verdade, assistência técnica, ou seja, salários de consultores técnicos portugueses a trabalhar em países em desenvolvimento, principalmente em África. Outra fatia corresponde a bolsas a jovens estudantes, o que também não constitui um apoio directo aos seus países de origem, já que muitos não regressam, sublinha o responsável da Oikos.
Um dado que prova a inversão das prioridades no que toca aos investimentos é a escassa proporção (3,6%) do dinheiro dedicada a serviços essenciais saneamento básico, cuidados de saúde primários e educação. "Não se trata apenas de aumentar a ajuda financeira, trata-se de utilizar o dinheiro de forma diferente, contribuindo efectivamente para diminuir a pobreza das populações", defende João Fernandes.
E dá exemplos mais importante do que financiar programas para fomentar a língua portuguesa é ajudar a criar mais escolas básicas para alargar os índices de alfabetização e mais fundamentais do que modernos hospitais centrais são centros de saúde junto das populações e projectos para combater a malária, a tuberculose e o VIH/sida. Ou seja, "reorientar a ajuda pública ao desenvolvimento para o essencial e corrigir uma lacuna na arquitectura do apoio internacional".
Prova da diferença que a ajuda financeira bem direccionada pode fazer é o que aconteceu na Tanzânia. Por ter recebido apoio internacional, o Governo aboliu as propinas e o número de crianças a frequentar o Ensino Primário aumentou de 4,4 milhões, em 2000, para 7,5 milhões, em 2005.