Sofia Correia Batista, in Expresso
Das 83 mil pessoas qualificadas e sem emprego entre os 45 e os 64 anos de idade, quase 80% deixaram de o procurar – o que comprova a dificuldade de encontrar uma nova oportunidade nesta fase da vida. O Expresso conversou com duas profissionais sobre a experiência que viveram, o preconceito associado à idade e como a associação dNovo as ajudou a alcançar uma solução
Numa conversa entre três amigos, concluiu-se que todos conheciam alguém, com formação superior, que acabou por ficar sem emprego por volta dos 50 anos de idade. Da partilha nasceu uma ideia: sensibilizados com o problema, Joaquim Paiva Chaves, João Castello Branco e Isabel Viegas decidiram criar a dNovo – uma associação que ajuda quem está nesta situação a regressar ao mercado de trabalho.
“Pessoas com 50 anos e com profissões relevantes e formação superior, com boas competências, têm de voltar ao mercado de trabalho. É um desperdício de talento não aproveitar estas pessoas”, realça Vera Norte, assessora da dNovo, ao Expresso. Na faixa etária entre os 45 e os 64 anos de idade, cerca de 83 mil pessoas com qualificação superior estavam sem trabalho em 2021 – 77% das quais desistiram de o procurar.
O processo de apoio da associação assenta em três pilares: mentoria, networking e capacitação. A cada profissional é atribuído um mentor, com quem trabalha individualmente, mas são também dinamizadas sessões em grupo – neste momento, são 216 os profissionais inscritos para cerca de 100 mentores. Entre todos, é promovido o aumento da rede de contactos, fundamental na procura de uma nova oportunidade. Ao mesmo tempo, as formações permitem ganhar ou aperfeiçoar competências.
Muitas vezes, estes profissionais têm a autoestima “um pouco em baixo”. “A maioria está num emprego na perspetiva de que é para a vida e depois, de repente, surge uma situação de reestruturação e saem com uma indemnização. A questão é que ainda têm pelo menos mais 16 anos até à reforma”, retrata Vera Norte. “O mercado de trabalho é diferente daquilo que era há uns anos e é preciso encontrar novas soluções.”
Desde o arranque do projeto, no ano passado, 50 profissionais encontraram emprego – Marta Vidal Pinheiro e Margarida Bicho são dois exemplos. A primeira, formada em engenharia alimentar e que sempre trabalhou como comercial, esteve 24 anos na mesma empresa antes de esta fechar a representação em Portugal. A segunda, economista e gestora com experiência internacional, esteve cerca de 15 anos numa empresa que acabou por ser vendida.
Em busca de uma oportunidade
Para Marta, tudo aconteceu mesmo antes da covid-19, em fevereiro de 2020, quando tinha 49 anos. “Precisava de fazer o luto, 24 anos é a minha vida toda praticamente. Foi muito duro”, partilha com o Expresso. Perante o contexto de pandemia, aproveitou para descansar, escrever e publicar um livro e dedicar-se ao passatempo que já tinha, um sabão artesanal de azeite.
Através do IEFP, descobriu a dNovo em abril do ano passado: o objetivo era transformar o hobby em empresa. “Depois de ter feito o estudo de mercado e o plano de negócios, percebi que o mercado não estava aberto ao produto”, explica. “Aí foi muito duro outra vez porque investi muito neste projeto.” A mentora foi “fundamental” para começar “do zero”. “Mudámos a estratégia por completo.”
A oportunidade surgiu numa área que, inicialmente, pensava não ter “nada a ver” com o seu perfil, mas a mentora ajudou-a a perceber que devia experimentar. E não se arrepende: há dois meses que trabalha como consultora de seguros e está “a gostar imenso”. “Temos de recorrer outra vez ao que já fomos mais em novos, que é não ter medo de arriscar e ter alguma flexibilidade de sair daquela ideia mais fixa, que às vezes se tem na cabeça e que é mais fácil, porque já há anos para trás de experiência num sector.”
Em janeiro de 2022 foi a vez de Margarida procurar um novo emprego, aos 55 anos. Pelo facto de ter trabalhado sobretudo com projetos de dimensão internacional, sentiu a dificuldade de a “rede profissional” que tinha por cá ser “muito limitada”. Teve conhecimento da dNovo através de uma amiga e sentiu que o caminho era por ali – o seu e o de muitos outros.
“Este é um fenómeno crescente. Há muitas pessoas como eu, qualificadas com mais de 50, que trabalhámos a vida toda e, de um momento para o outro, não ficamos ativos. E queremos continuar. Para mim, não trabalhar estava fora de questão. Sempre trabalhei e sabia que ainda tinha muito para dar”, assinala.
Tendo em conta o currículo e as competências, calculou que não seria difícil conseguir trabalho, mas o processo demorou um ano e meio. “O que me valeu foram os amigos, os familiares, a minha iniciativa e persistência e a dNovo. Não foi fácil, mas agarrei-me. Nunca desisti”, salienta. E porque “não há fome que não dê em fartura”, em junho “apareceram três oportunidades em 48 horas” – todas em áreas que lhe interessavam, por isso, “o problema foi escolher”. Optou por uma organização não governamental para o desenvolvimento: “Estou satisfeitíssima.”
Sobre o papel da associação, Marta destaca como o acompanhamento decorre “numa situação de igualdade”. “Isso ajuda a não sentirmos que estamos por baixo, numa situação de fragilidade. Somos tratados de igual para igual, somos ambos profissionais”, justifica. Margarida acrescenta que, entre profissionais e mentores, “cria-se uma família”.
Idadismo no mercado de trabalho
Comum aos dois trajetos foi a vivência do preconceito baseado na idade – o chamado idadismo. Marta conta que as pessoas “não são explícitas, até porque não podem, legalmente”, mas teve alguns amigos da área de recursos humanos que o admitiram. “Se não te conhecesse, se for um currículo de uma pessoa que não conheço de lado nenhum e tiver uma pessoa mais nova para aquele lugar, não vou olhar para o teu”, disseram-lhe. “Esta pessoa nunca diria uma coisa destas oficialmente.”
Margarida sentiu que “não era chamada para oportunidades de trabalho devido à idade”, não só em Portugal, mas também no estrangeiro: uma empresa da Arábia Saudita indicou que “não aceitava pessoas com mais de 55 anos”. “Não tive muitas oportunidades de ir sequer a uma entrevista”, recorda. “O trabalho sénior não está a ser valorizado. Há que aproveitar o saber, os anos e a experiência.”
A dNovo também trabalha junto das empresas neste sentido de tentar mudar mentalidades. “Acreditamos na intergeracionalidade, precisamos de gente mais nova, mas também de gente mais madura. Assim como há um incentivo à contratação jovem, também faria sentido que houvesse um incentivo à contratação sénior”, aponta Vera Norte. “O grande desafio é encontrar empresas dispostas a empregar estas pessoas.”
Além do emprego, Marta e Margarida viveram uma dimensão de valorização pessoal. “Já temos muita experiência e achamos que poucas coisas nos podem surpreender. Não é verdade. Continua imensa coisa em aberto. É fundamental estar aberto a arriscar e a continuar sempre a aprender”, resume Marta. E Margarida já pensa em “retribuir”. “Quero, de alguma maneira, dar o meu testemunho e, quem sabe, ajudar alguém com a minha vivência. É fundamental não desistir e acreditar. Funcionou comigo.”