5.7.23

Não são imigrantes, são franceses

Teresa de Sousa, opinião, in Público

Os temas da actualidade global, pelo olhar de Teresa de Sousa.


Caro leitor, cara leitora,

Começo por confessar que Paris é, para mim, uma espécie de segunda pátria. Foi lá que vivi o meu exílio; pouco tempo, é verdade, mas o suficiente para ter experimentado pela primeira vez a maravilhosa sensação de viver em liberdade.

Nessa altura, os imigrantes portugueses (centenas de milhares) ainda viviam em condições precárias, mas os "argelinos" ou "magrebinos" serviam-lhes de "pára-raios" – ouvi esta expressão num comentário de um autarca português em França durante a rebelião dos jovens dos banlieues parisienses e das cidades que rodeiam a capital francesa. Nessa altura, se houvesse um distúrbio, um crime, um roubo, uma bagarre, a culpa só podia ser deles. Os tempos eram outros. Tinha passado relativamente pouco tempo sobre a independência da Argélia – um acontecimento profundamente traumático para a França.


Hoje a realidade é totalmente diferente. Há, no entanto, alguns problemas que persistem. Foi em 2002 que o professor francês George Bensoussan coordenou um livro com depoimentos de alguns dos seus colegas das escolas das periferias, que é repetidamente recordado sempre que os banlieues se incendeiam. Chama-se Les Territoires Perdus de la Republique – antisémitisme, racisme et sexisme en milieu scolaire, e invoca uma certa degeneração geral, "um mal-estar, ao mesmo tempo social, cultural e identitário".

[...]2005
Em 2005, ainda com Jaques Chirac, os banlieues abandonados de Paris incendiaram-se por causa da morte de dois jovens, electrocutados quando se esconderam numa caixa de electricidade para fugir à polícia. Ainda quase não havia redes sociais, mas existiam os mesmos problemas de comunidades que se sentiam excluídas e discriminadas pela sociedade, que viviam fechadas em territórios onde até a polícia tinha dificuldade em entrar, segundo leis que não eram, muitas vezes, as da República, mas que a retórica republicana preferia ignorar.


[...]2019
Depois, muito depois, em 2018-2019, houve o movimento dos "gilets jaunes", que nasceu entre as classes médias baixas das cidades de província, confrontadas com a subida do custo da gasolina e do gasóleo, graças a uma taxa aplicada pelo Governo em nome do combate às alterações climáticas.
[...]2023
Desta vez, foi a morte de um jovem de 17 anos, de origem argelina, que resultou de uma operação stop da polícia em ­Nanterre. Um dos polícias que o mandou parar baleou-o no peito, provocando-lhe a morte imediata. Já foi acusado de homicídio voluntário. As circunstâncias exactas ainda não são conhecidas, embora um dos outros jovens que viajava no mesmo carro (um Mercedes) tenha filmado quase tudo e o vídeo se tenha tornado, obviamente, viral.
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