1.7.07

Um tratado, duas cimeiras e uma forma particular de ver o mundo

Teresa de Sousa, in Jornal Público

Gerir o melhor possível a vasta e complexa agenda e deixar a marca da sua forma própria de estar na Europa e de olhar o mundo - eis a ambição portuguesa para o semestre


1 de Julho
Concerto de abertura da presidência na Casa da Música do Porto

2 de Julho
Reunião entre o Governo português e a Comissão Europeia para afinar a agenda

3 de Julho
Sócrates e Durão Barroso participam no Gana na cimeira da União Africana

4 de Julho
Cimeira União Europeia-Brasil, em Lisboa, com a presença de Lula da Silva

5 de Julho
Início do Conselho Informal dos ministros do Emprego em Guimarães

José Sócrates resumiu a presidência portuguesa em quatro palavras: tratado, Brasil, África e agenda de Lisboa. Todos os países têm a sua forma própria de estar na Europa e de olhar para o mundo. Portugal não é excepção: quer deixar as suas marcas na terceira presidência que lhe cabe e, provavelmente a última, se tudo correr bem com o novo tratado.

É essa precisamente a sua "prioridade absoluta" e pode ser também uma das suas coroas de glória. A tarefa está facilitada graças ao extraordinário trabalho da presidência alemã. O objectivo do primeiro-ministro é não deixar arrefecer a dinâmica que saiu da cimeira de Bruxelas. Para isso, quer uma conferência intergovernamental (CIG) rápida e concisa, de forma a poder fechar as negociações na cimeira informal de líderes europeus que decorre em Lisboa nos dias 18 e 19 de Outubro. Se a segunda presidência da União produziu uma "estratégia de Lisboa", esta poderá conseguir um Tratado de Lisboa.

Mas as coisas são mais fáceis de dizer que de fazer e o Governo português tem absoluta consciência disso. "Manter a pressão e não subestimar as dificuldades", é a palavra de ordem.

O mandato "claro e preciso" que saiu de Bruxelas ainda deixa algumas "pequenas frinchas" nas quais pode haver a tentação de meter o pé. E não é só o caso difícil da Polónia, que ameaça exigir ainda mais do que as enormes concessões que arrancou em Bruxelas em matéria de sistema de votos no Conselho. Há ainda alguma margem de ambiguidade na política externa ou na polémica em torno do princípio da "livre concorrência não falseada", a pequena guerra ideológica entre Londres e Paris, que pode sempre rebentar.

E, naturalmente, os países mais amigos da Constituição, que resmungaram pelo elevado preço que tiveram de pagar para a obtenção de um consenso na última cimeira, podem sempre voltar à carga neste ou naquele aspecto da redacção final. É bom sinal, todavia, como sublinha o gabinete de Sócrates, que o Parlamento Europeu já tenha abençoado o acordo.

Resta acrescentar que o cenário (quase impossível) de um fracasso mancharia de forma indelével a presidência portuguesa.

Uma visão do mundo

Portugal vai poder abrir com chave de ouro a sua presidência quando receber na quarta-feira em Lisboa o Presidente Lula da Silva. Elevar o Brasil ao estatuto de parceiro estratégico da União foi uma tarefa longa e persistente da diplomacia portuguesa.

A outra, mais espinhosa, já garantiu, praticamente, a Sócrates um encerramento igualmente em beleza: a cimeira UE-África. Faltam os últimos detalhes de uma coreografia política difícil, destinada a incluir o Presidente do Zimbabwe, Rober Mugabe, persona non grata na Europa, na fotografia. Mas a diplomacia portuguesa entende que as críticas inevitáveis a Lisboa por fechar os olhos aos direitos humanos serão largamente compensadas pelo resultado. Da necessidade premente de conter a China às questões da imigração.

É esta a marca de origem que o Governo quer inscrever na vastíssima e complexa agenda europeia - uma certa forma de olhar para o mundo. Depois de uma presidência alemã naturalmente preocupada com o que se passa a leste (da nova política de vizinhança à Rússia passando pela Ásia Central), Portugal quer agora levar a Europa a olhar para sul.

A ambição de Lisboa é fazer rodar lentamente a política externa europeia "de uma agenda pós-queda do Muro para uma agenda pós-11 de Setembro". O ministro dos Negóci-
os Estrangeiros, Luís Amado, já o explicou muitas vezes.

"Agenda de modernização"

Não é que a agenda pós-Guerra Fria esteja esgotada, muito longe disso, e Portugal terá de lidar com alguns dos seus problemas mais sérios - do Kosovo às duas cimeiras com a Rússia e com a Ucrânia. Mas Portugal entende que a Europa tem de se empenhar de forma muito mais efectiva numa nova agenda virada para o Grande Médio Oriente, do Afeganistão ao Magrebe, onde se situa hoje em dia o "arco de crise" mais sério para a segurança mundial e para os interesses vitais europeus.

O Mediterrâneo e o Médio Oriente serão, pois, pelas questões previsíveis e pelas imprevisíveis, um dos focos de atenção. E é isto que explica também a importância que Lisboa dá ao dossier turco e o empenho que põe em manter todas as portas abertas nas negociações com Ancara.

Há sete anos, Portugal lançou a estratégia de Lisboa, que hoje impregna boa parte da agenda interna da União. Este é um domínio em que a liderança cabe essencialmente à Comissão Europeia. A presidência quer apenas colocar alguns acentos tónicos.

O facto de ir presidir a cimeiras com todos os BRIC (a sigla que designa as grandes economias emergentes na economia global, feita a partir das designações do Brasil, Rússia, Índia e China) abre uma oportunidade de "acrescentar uma dimensão externa à agenda de Lisboa", fazendo dela uma das vertentes da acção externa da Europa, nas palavras de um elemento da equipa de conselheiros do primeiro-ministro.

Portugal sucede na presidência a um país, a Alemanha, que conseguiu quebrar a letargia europeia, acabar com o patético "período de reflexão" que se seguiu à crise constitucional e imprimir à Europa uma nova dinâmica. A chanceler Angela Merkel colocou a fasquia alta. O desafio terá ser "manter o impulso", tarefa facilitada pela nova fórmula das presidências tripartidas. E também pela partilha de uma visão comum quanto à necessidade de "uma Europa forte para melhorar o mundo". É este o lema que Portugal escolheu para a sua presidência.