por Patrícia Viegas, in Diário de Notícias
É pouco provável que Portugal consiga cumprir o compromisso de, até 2010, dar 0,51% do rendimento nacional bruto à ajuda pública ao desenvolvimento, diz um relatório ontem divulgado. Para isso, teria de dispensar 888 milhões de euros. O documento acusa ainda o Governo de ligar a ajuda aos países pobre às exportações das empresas nacionais.
Portugal deu, em 2008, 470 milhões de euros para ajuda pública ao desenvolvimento, ou seja, 0,27% do seu rendimento nacional bruto (RNB). Mas para cumprir o compromisso que assumiu a nível da União Europeia, de dispensar 0,51% até 2010, teria de aumentar esse valor para 888 milhões de euros, o que daria qualquer coisa como 85 euros por cada português. Esta é uma das principais conclusões a retirar do relatório anual do grupo AidWatch da Concord, ontem divulgado em Bruxelas.
"Não digo que esse aumento seja totalmente impossível, mas, dada a crise actual, é muito difícil que Portugal consiga aproximar- -se dos compromissos assumidos internacionalmente", declarou ao DN Ahmed Zaky, membro da Plataforma Portuguesa de Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento e do grupo de monitorização de ajuda daquela confederação europeia de ONG. O próprio secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho, já admitira, há um mês, numa entrevista que deu ao DN, que é irrealista acreditar que o País tenha capacidade para duplicar a ajuda de um ano para o outro.
O relatório constata que, apesar de a ajuda global fornecida pela UE, em 2008, ter aumentado em quatro mil milhões de euros, ainda faltam 20 mil milhões para atingir a meta de 0,51% do RNB estabelecida pelos europeus para 2010. E alerta que os números oficiais escondem, em muitos dos casos, ajuda inflacionada.
Assim, dos 50 mil milhões de euros que os Governos europeus deram em ajuda, no ano passado, cinco mil milhões são relativos ao perdão da dívida, dois mil milhões a custos com estudantes estrangeiros e mil milhões respeitam a custos com refugiados. Se a actual tendência se mantiver, diz, apenas dez dos países da UE, entre os quais Luxemburgo, Holanda e Finlândia, terão cumprido os compromissos assumidos até 2010.
O documento refere que, devido à ajuda inflacionada e ao não cumprimento de metas oficiais, os Estados europeus terão falhado, de 2006 a 2010, nas suas promessas de doação de 39 mil milhões de euros aos países em desenvolvimento. Este valor representa o dobro da economia da Estónia e seria suficiente para aumentar em um quarto o rendimento diário dos 380 milhões de africanos que vivem na pobreza absoluta, conclui a Concord, confederação europeia que agrupa 1600 ONG para o desenvolvimento.
Acusando os governos europeus de terem virado as costas aos países pobres à medida que a crise económica mundial se agrava, o relatório lembra a importância da ajuda, sublinhando que, desde 2000, quando foram estabelecidos os Objectivos do Milénio para o Desenvolvimento, nas Nações Unidas, três milhões de crianças foram salvas por ano e mais 41 milhões passaram a frequentar a escola.
Na cimeira do Milénio, 191 países definiram oito objectivos a atingir até ao ano de 2015: reduzir para metade a pobreza extrema e a fome, alcançar o ensino primário universal, promover a igualdade de género e dar poder às mulheres, reduzir em dois terços a mortalidade infantil, diminuir em 75% a mortalidade materna, combater o VIH/sida, a malária e outras doenças graves, garantir a sustentabilidade ambiental e fortalecer uma parceria global para o desenvolvimento.
Tudo isto ficará comprometido se os países ricos falharem os seus compromissos. "Nesta altura de crise, a Europa tem-se revelado capaz de mobilizar quantias gigantescas para os seus bancos. Mas incapaz da mesma vontade política no que respeita à cooperação para o desenvolvimento", conclui o relatório da Concord.