15.5.09

Bela Vista

Carlos Marques de Almeida, in Diário Económico

O título não se refere a uma estância turística ou ao último spa da moda. A julgar pela facilidade dos comentários, o bairro social da Bela Vista foi eleito como cenário para a primeira "explosão social" que o país enfrenta.

Não importa que o problema seja anterior à crise económica e ao aumento do desemprego, nem importa o facto de se estar perante um fenómeno de criminalidade que se tornou num modo de vida. Para os comentadores indignados, fundamental é que a Bela Vista corresponda fielmente ao preconceito da exclusão social, do racismo, da xenofobia, de uma política urbana errada, desordenada e desumana. O que se esquece demasiadas vezes é que a Bela Vista é o símbolo de uma política de integração falhada, ideologicamente de Esquerda e que trazia a promessa de uma sociedade multicultural.

Com os automóveis em chamas, sucedem-se as cenas neo-realistas que pretendem encenar uma nova pobreza. E convém não esquecer a ditadura do politicamente correcto que já explicou o fenómeno da violência urbana como factor de identidade e de afirmação de uma geração esquecida. A mesma geração esquecida que exibe alguma iniciativa individual e associativa numa interessante tendência empreendedora - tráfico de droga, armas ilegais, ‘carjacking', assaltos vários e ao domicílio. Na moral da Bela Vista existe uma espécie de justiça revolucionária - as vítimas da opressão transformam os opressores em vítimas dos oprimidos.

Pelo meio, um jovem delinquente foi baleado e morto pela polícia, a polícia foi alvo de ataques com pedras e ‘cocktails molotov', o medo domina o bairro, entra pela cidade e contagia o país. A única certeza é a certeza de que não existem soluções ideais. A Direita grita por mais polícia, propõe platitudes na forma de políticas de apoio às famílias e reforço no âmbito e na aplicação da Justiça. A Esquerda denuncia a exclusão e grita por mais políticas sociais, o que significa uma nova vaga de subsídios, prestações e serviços do Estado. Há ainda uma terceira via que pode ser designada por "teoria das janelas quebradas", uma triangulação entre o assistencialismo de Esquerda e a ênfase na responsabilização típica da Direita. O discurso cansado significa tão somente que a República se encontra sem resposta perante um fenómeno que escapa às políticas tradicionais. A Bela Vista ocupa o território de ninguém que fica entre o polícia e a assistente social.

A geração esquecida da Bela Vista não se reconhece nos valores da sociedade em que vive. Não pretendem a integração, mas cobiçam os símbolos da sociedade de consumo. E agora?