17.5.09

O rastilho está lá mas ninguém prevê uma explosão de conflitos sociais em Portugal

São José Almeida, in Jornal Público

Mesmo com a crise mundial e o desemprego a disparar, os especialistas não temem
o recrudescer da conflitualidade social em grande escala


O alastrar da crise financeira à economia e à sociedade e o consequente aumento do desemprego têm levantado o temor de que possa estar iminente o regresso das lutas laborais e da conflitualidade social. Ao ponto de o presidente do Eurogrupo, Jean-Claude Juncker, ter alertado há duas semanas para o "carácter explosivo" que os "níveis inquietantes" de desemprego podem assumir.

Mas o risco de que o desemprego provoque conflitualidade social não assusta António Dornelas, especialista em políticas de trabalho e relações laborais e conselheiro do ministro do Trabalho.

Ao PÚBLICO, Dornelas começa por estabelecer diferenças entre manifestações de descontentamento: "Uma coisa é o protesto político e outra é a tensão laboral." E sublinha que o que tem sido usual em Portugal são não as greves, mas as manifestações de protesto contra o Governo - manifestações que, em todo o caso, atingiram dimensões inéditas nos últimos anos.

"A manifestação pode ter razões laborais mas não é uma greve, não é o mesmo. Com a greve faço alguém perder dinheiro, com a manifestação incomodo o poder político", diz o também professor no Departamento de Sociologia do ISCTE.

"O conflito é um direito"

Dornelas considera, por outro lado, que "o conflito laboral e social não é mau - só o é se puser em causa a democracia". E sublinha que hoje há "melhores condições que há 80 anos para tomar a tempo medidas que evitem o pior dos males, os dois cancros sociais que são a exclusão do emprego e a exclusão social da igualdade". "O problema não é se vai haver conflitualidade, é como se gere", conclui.

Essa conflitualidade também é expectável para Manuel Villaverde Cabral, historiador e sociólogo, que lembra que "desde os anos 80 não havia em Portugal, como tem havido nos últimos três anos, tantas e tão grandes manifestações e greves". Villaverde Cabral considera mesmo que "a contestação e as lutas vão surgir não só em Portugal", mas "não há-de ser como era até aqui, pois as condições são outras, haverá novas formas de manifestação do descontentamento".

Menos optimista sobre o momento que se vive está o historiador Manuel Loff, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Loff refere os indicadores que apontam que se atingiu "um ponto mais baixo de sindicalização" e sublinha que "a morte dos sindicatos mata as condições de reivindicação e de formação de opinião e de mobilização pelo emprego". Isto para concluir que "é difícil de imaginar a repetição de algumas lutas hoje, como, por exemplo, quando, nos anos 80, os mineiros britânicos aguentaram meses em greve".

Outro impedimento que Manuel Loff encontra é o de que "os mais desfavorecidos são os que menos ideologização revelam: os jovens e os imigrantes". Para mais, explica, "os jovens de hoje são filhos da geração que mais direitos sociais conquistou e que, por isso, tem disponibilidade financeira e material para almofadar a exploração do trabalho a que os filhos estão sujeitos".

As dúvidas sobre a capacidade de contestação e luta dos trabalhadores atingem também o líder da CGTP. Carvalho da Silva começa por sublinhar que, "na fase inicial de uma crise, o comportamento é de recuar, de individualismo, do salve-se quem puder, não é de luta". E de seguida reconhece que "não é fácil na sociedade portuguesa ter uma reacção forte, há uma necessidade de consciencializar as pessoas, vai ser preciso muito trabalho [sindical] para haver resposta".