17.5.09

Pode o desemprego derrubar um governo?

Filomena Fontes e Natália Faria, in Jornal Público

Especialistas dizem que a taxa de 8,9 por cento não é suficiente, por si só, para retirar o PS do Governo


Um sufoco para o PS e um caminho que se alarga para que todos os partidos da oposição, à esquerda e à direita, possam capitalizar politicamente os fracassos do Governo de José Sócrates. A taxa de desemprego, revelou o INE na passada sexta-feira, chegou aos 8,9 por cento. Meio milhão de portugueses à procura do socorro do Estado, no meio de uma crise que lhes escapa das mãos. Tal como parece fugir ao controlo dos socialistas no ano de todos os perigos: três eleições pelas frente, o frenético ciclo que as europeias inauguram já no dia 7 de Junho. Será que o desemprego, que muitos estimam possa chegar, até ao fim do ano, aos dois dígitos, será o carrasco do Governo do PS?

"A escolha eleitoral não é determinada pura e simplesmente pela publicação do boletim do Banco de Portugal, pelo INE ou pelas previsões do FMI. Em política, as opções das pessoas são, obviamente, condicionadas pela situação económica, mas também pelas alternativas apresentadas pelos partidos", relativiza o historiador Rui Ramos.

O quadro sobre qual os eleitores vão interiorizando o seu sentido de voto é mais complexo. E a conclusão de que o aumento das cifras negras do desemprego tem como consequência directa a derrota do PS nas próximas legislativas pode revelar-se arriscada.

"O contexto é mais difícil mas não é necessariamente por aí que os governos perdem as eleições. Nenhum governo está condenado a perder eleições numa situação desta natureza", afirma o politólogo Manuel Meirinhos Martins, advertindo que, se, por um lado, o desemprego representa uma adversidade na competição eleitoral para o partido que está no poder, por outro, em contexto de crise, "quem governa tende sempre a exteriorizar o problema, afastando-o das fronteiras nacionais".

"Vão ficar roucos..."

"Trata-se de uma crise profunda, internacionalizada e com as mesmas dificuldades de recuperação em todos os países, ou seja, não autonomiza o caso português, nem no sentido dos efeitos, nem das causas nem das curas. E os governos também sabem usar isto", explicita, apontando a utilização da despesa pública como um instrumento de vantagem nestas circunstâncias, porque, de uma forma geral, é bem recebido.
"Eles [o Governo] vão ficar roucos de tanto dizer que a crise é internacional", reforça Rui Ramos. Admitindo que os socialistas estão a "dar batalha" a este nível, a dúvida que levanta prende-se com percepção pública da responsabilidade directa do Governo na crise que o país atravessa. A isto junta um outro factor que pode influenciar o sentido de voto: o comportamento eleitoral dos próprios desempregados.
"Em princípio podiam ser os mais zangados com a situação. Mas, por vezes, a atitude é mais de abstenção do que propriamente tentar influir a favor de um partido contra o outro", ajuíza.

Cru na sua análise, o sociólogo Villaverde Cabral considera que, perante o quadro de um desemprego galopante - conjugado com a queda no investimento que afunda a economia portuguesa -, "a única coisa que ainda permite ao PS um bom desempenho nas sondagens é a fraqueza da alternativa, porque senão já estava o assunto resolvido". "Agora vamos ficar a ver qual dos dois partidos é que terá pior desempenho, é uma espécie de corrida ao contrário", acrescenta, considerando necessária uma análise regional da incidência do desemprego para se poder, com algum rigor, antecipar desfechos eleitorais.

"Na região de Lisboa, no Alentejo e no Algarve nunca se votou muito no PS. Votarão agora com mais vontade no BE e no PCP. Mas o desemprego no Norte e no Centro do país poderá custar muitos votos ao PS", estima.

Ainda assim, Villaverde Cabral converge com Meirinhos e Ramos ao considerar que o "desemprego, por si só, não é uma determinante" que conduza irremediavelmente à derrota. Do que não tem ilusões é de que contribuirá para uma pior performance do PS.
E recua ao governo do Bloco Central: "O desemprego penalizou brutalmente o PS, embora os resultados também tivessem tido a ver com o surgimento do PRD." E é com alguma ironia que diz que, "tal como as coisas estão, Manuela Ferreira Leite ainda vai ter uma surpresa". "O PSD arrisca-se a ter um bom resultado, a começar já nas europeias. O Bloco e o PCP também. Isto diz tudo do que se está a passar", antevê Villaverde Cabral, para quem o factor decisivo na contabilidade final dos votos será a abstenção.

Atenção à agitação social

É sobre o desempenho do PSD que Rui Ramos coloca a tónica, advertindo para a recuperação nas sondagens, conjugada com uma queda do PS. "A batalha que o PSD está a travar contra os grandes investimentos, defendendo em contraponto uma outra política de promoção de emprego, como o apoio às pequenas e médias empresas, pode estar a dar resultados", diz.

Manuel Meirinho Martins olha para a esquerda: a crise, com o cortejo de desempregados, é um campo fértil para a oposição - "é um argumentário de combate político forte, que serve sobretudo às oposições de esquerda". Mas daí a que isso se converta em votos vai uma grande distância.

O jogo, decisivo, tenderá a fazer-se na esfera social: "A maior dificuldade que o Governo pode enfrentar não é tanto na razão directa do número de desempregados, mas dos efeitos da agitação social que possam vir a assumir proporções incontroláveis."
Mas os socialistas parecem apostados em não desguarnecer o flanco. E ilustra-o com a resposta aos incidentes no Bairro da Bela Vista.