Por Raquel Martins, in Jornal Público
Ex-secretário de Estado defende que a redução de funcionários terá fortes consequências nas economias locais
A redução cega do número de funcionários públicos poderá ter consequências sociais graves no actual contexto de crise. O alerta foi deixado por João Figueiredo, ex-secretário de Estado da Administração Pública, que anteontem à noite lembrou que os apelos à redução da estrutura do Estado têm de atender à "realidade concreta" do país.
O actual juíz do Tribunal de Contas acaba por criticar, embora sem nunca o ter referido directamente, as declarações dos dirigentes do PSD que nos últimos meses têm defendido o corte no número de trabalhadores e serviços públicos. "Quando ouço que é preciso extinguir serviços, reduzir efectivos ou a despesa, pergunto logo onde e como. Estas proclamações gerais precisam de se traduzir em coisas muito concretas", sustentou.
Durante um jantar promovido pela SEDES, o principal responsável pelo desenho da reforma do Estado iniciada na anterior legislatura deixou claro que qualquer redução de efectivos - para ter expressão - terá de ser efectuada nas áreas que empregam mais gente e onde há mais despesa. É o caso da educação, saúde, administração interna, defesa, ensino universitário e autarquias, que empregam 76 por cento dos 700 mil efectivos da Administração Pública.
Porém, quando se chega ao terreno, fica-se perante "uma matéria delicada do ponto de vista social". "O emprego público é um elemento essencial das economias locais. Nas autarquias há uma média de 11 trabalhadores por cada mil habitantes, mas no Alentejo essa média passa a ser de 20 para mil e no Algarve de 19 para mil", exemplificou.
Faltam condições políticas
João Figueiredo deixou também claro que com a actual configuração parlamentar é muito difícil fazer reformas profundas na Administração Pública. "No actual quadro parlamentar não é possível gerar um poder político forte que permita fazer reformas e implementá-las, porque as alianças e antagonismos que se geram acabam por derrotar essas medidas", defendeu, perante empresários, economistas e ex-governantes.
Para o ex-secretário de Estado, o Governo apenas tem margem para tomar medidas gerais, como foi o congelamento geral dos salários, "para preparar o que vier a seguir" e para controlar a execução das reformas lançadas anteriormente.
Por um lado, destacou, é preciso ver se a desconcentração dos serviços do Estado está no terreno e, por outro, estar atento às tentativas de voltar atrás na transição do emprego para a vida para o contrato de trabalho em funções públicas. "Ainda nas últimas semanas vimos os funcionários da Assembleia da República e os professores a tentarem manter o vínculo para a vida. É preciso travar isto para que as coisas não voltem atrás", destacou.
Aos próximos Governos, Figueiredo deixou um apelo para que não haja a tentação de se fazer tudo de novo.


