Por João Ramos de Almeida, in Jornal Público
Os números não comprovam a ideia feita de que é difícil despedir em Portugal. Em 2009, entraram nos centros de emprego 690.300 novos desempregados. Desses, um em cada quatro foi despedido, despediu-se ou negociou a saída. Do outro lado da balança, está a precariedade laboral: dois em cada cinco estão desempregados porque terminou o prazo do contrato ou porque trabalhavam por conta própria (possivelmente "falsos recibos verdes").
Dir-se-á que o elevado número de despedidos que estavam no quadro das empresas - quase 188,5 mil pessoas - foi possível por recurso a despedimentos colectivos legais. Mas não é verdade. Apenas 379 empresas recorreram a esse mecanismo em 2009, afastando 5522 pessoas. Teriam sido ilegalmente despedidos e tudo foi parar a tribunal? Também não. Nos tribunais laborais, deram entrada cerca de 19,2 mil casos comuns e desconhece-se quantos foram por impugnação do despedimento.
Então, como foi possível tamanha flexibilidade nos despedimentos sem lei que supostamente o permita? Mais estranho: o que se passou em 2009, verificou-se ao longo de toda a última década.
Há diversas razões que podem justificar estes números. Primeiro, o mercado de trabalho é bem mais selvagem do que a lei o define. Micro, pequenas e médias empresas que, por exemplo, desaparecem e voltam a aparecer, em que os trabalhadores ficam "na rua", são uma realidade, sem que as autoridades consigam - há décadas - combatê-la.
Mas, alegam empresários e alguns juristas, essa realidade existe porque a legislação é restritiva. Não, contrapõem advogados dos sindicatos e outros juristas. Acontece porque os empresários são incapazes de programar a sua actividade e preferem despedir sem justa causa. Na realidade, dizem, a lei já permite o despedimento. O conceito de "justa causa" sempre abrangeu casos de "desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo" ou "reduções anormais de produtividade do trabalhador". Claro que isso implica formas objectivas de avaliar a produtividade e obriga a um processo de despedimento. Mas o trabalhador pode ser suspenso preventivamente.
Depois, há sempre o despedimento por inadaptação. Aplica-se a situações de "redução reiterada de produtividade ou de qualidade" ou em situações de quadros técnicos ou de direcção que "não tenham cumprido os objectivos previamente fixados e formalmente aceites, sendo determinado pelo modo de exercício de funções e desde que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho". Claro que obriga a entidade patronal a dar formação, esperar os seus resultados e procurar um novo posto para o trabalhador. Só no final desse processo é que pode despedir.
Se não resultar, pode recorrer aos despedimentos colectivos, tidos como significativamente liberalizados face a outros países. É considerado "despedimento colectivo" o afastamento a partir de dois trabalhadores nas micro e pequenas empresas, e de cinco nas médias e grandes empresas. O Ministério do Trabalho não tem levantado objecções de maior às justificações das empresas - que podem alegar retracção do mercado ou reestruturação, entre outros. Há advogados que se vangloriam de preparar de tal forma um despedimento que o conseguem fazer em dias apenas.
Independentemente das causas, o que parece certo é que o despedimento já é flexível em Portugal. Flexibilizar a lei não teria, possivelmente, os efeitos económicos esperados.