por João Rodrigues,in iInformação
Ao arrepio da lógica da sua política económica, o governo decidiu bem no caso PT. O nosso capitalismo é mau e bastante desqualificado
O retrato da variedade portuguesa de capitalismo é traçado com estudos. Dois estudos recentes - "Necessidades em Portugal", promovido pela Tese (www.tese. org.pt) e "Emprego, Contratação Colectiva de Trabalho e Protecção da Mobilidade Profissional em Portugal", encomendado pelo Ministério do Trabalho - mostram que o nosso desigual e desqualificado capitalismo gera demasiada precariedade, insegurança socioeconómica, pobreza laboral e uma saliente estagnação salarial. A fraude da opinião dominante que defende a sua benignidade, assim cumprindo a sua função de assegurar o conveniente conformismo político, torna-se clara.
Entre 2004 e 2008, os salários reais aumentaram 0,3% ao ano em Portugal, abaixo da média da União Europeia (2,2%), apesar da acentuação das desigualdades salariais no país. Entretanto, a relação entre o crescimento dos salários reais e da produtividade - os custos unitários reais - é desfavorável aos trabalhadores desde 2000 e o risco de pobreza entre quem trabalha é de 12% (8% na UE).
Estamos num país dual em que quase 20% da população é pobre e 31% vive no escalão imediatamente acima do limiar da pobreza: há mais do que uma "geração dos 500 euros". É sobre este já fragilizado corpo social que se abatem as políticas de austeridade, que acentuam o desemprego e que asseguram a prescrição dos conselheiros económicos de Cavaco Silva e das direitas europeias: redução dos salários nominais e um amplo retrocesso do Estado social.
Este é o capitalismo realmente existente depois de um ciclo de privatizações, de liberalização da economia e de aceitação acrítica de todos os consensos de Bruxelas. De todos, sem excepção. O pior é que a facção hegemónica da elite económica e intelectual portuguesa não sabe fazer mais nada, não tem imaginação para pensar em mais nada, nem tem interesse em fazê-lo.
A mediocridade do capitalismo português está bem patente na PT. Mais uma vez se prova que o "Estado estratega" de que fala Manuel Alegre, controlando fatias importantes das infra-estruturas essenciais da nossa economia, é condição necessária para que o interesse nacional seja protegido. Só Estados estrategas, a reconstruir com a margem de manobra a reconquistar em Bruxelas, podem ir para lá da miopia da burguesia financeira endividada, que age como um qualquer fundo especulativo, com pressa de vender tudo, sem o mais pequeno incentivo para pensar no futuro das empresas que transitoriamente detém.
Em contramão com a lógica de toda a sua política económica, o governo decidiu, e bem, usar o último e frágil vestígio de poder que detém na PT. Agora temos de ir até às últimas consequências: resistir aos liberais, de Lisboa a Bruxelas; derrotar os que têm promovido este plano inclinado, onde se inclui o actual Presidente.