Raquel Vieira, in o Figueirense
Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social “
O Estado-Providência encontra-se numa enorme crise, devido a grandes mudanças e desequilíbrios demográficos. Hoje, o grave problema assenta no ataque ao Modelo Social Europeu no qual as pessoas deixam de ser a razão principal, ou seja, os cidadãos passam a estar ao serviço dos projectos e do lucro”, referiu o presidente da Rede Europeia Anti Pobreza – Portugal (REAPN), padre Dr. Agostinho Jardim Moreira. “Combater a pobreza: propostas para um novo contrato social” foi o tema abordado pelo responsável da REAPN durante uma conferência realizada no Casino Figueira na passada terça-feira.
O padre Jardim Moreira acredita que “só com uma nova organização mundial se constrói uma verdadeira alternativa à actual crise”, lembrando que esta “é uma crise estrutural e de valores”.
No que respeita aos problemas nacionais, Jardim Moreira realçou que “em Portugal a crise não está relacionada com a exclusão dos trabalhadores”, e explicou o porquê.
“Não é o mercado de trabalho o maior factor de pobreza nacional, porque os nossos pobres estão empregados”, disse, salientando que actualmente “estar empregado não é sinónimo de estar livre de problemas de pobreza”.
No Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social, Jardim Moreira sublinhou que “24 por cento das crianças portuguesas são pobres” e, considerou, “se se permitir que isto continue o futuro do país está, claramente, hipotecado”.
“Novos pobres”
Numa breve análise à pobreza em Portugal, o padre Jardim Moreira lembrou que os “mais desfavorecidos e vulneráveis continuam a ser os idosos e as crianças”, destacando o aparecimento de “novos pobres”, onde engloba os desempregados de longa duração, os trabalhadores com salários em atraso e cidadãos com baixas qualificações entre outros.
Em 2008 um quinto da população portuguesa ganhava seis vezes mais que a camada mais desfavorecida a nível nacional, alertou o responsável da REAPN, lembrando que “17,9 por cento ganhava menos de 414 euros por mês”.
O padre Jardim Moreira sublinhou que “12 por cento dos trabalhadores portugueses são pobres”, porque, referiu, “são mal pagos”. Perante os números, o presidente da estrutura portuguesa de combate à pobreza deixou uma chamada de atenção.
“Estamos a criar um novo grupo de escravos em Portugal. Hoje as pessoas vão trabalhar a qualquer preço porque precisam de ganhar o mínimo para poderem comer”, referiu, destacando que o “risco de pobreza nacional é persistente”.
“Não há quem defenda os pobres”
Na análise realizada durante a conferência, Jardim Moreira realçou a necessidade de “Portugal definir uma política de erradicação da pobreza”, uma vez que existem “dois milhões de portugueses que não têm um plano para resolver esta problemática”, disse.
“A pobreza não tem partido mas também não tem sindicato, ou seja, não há quem defenda os pobres portugueses”, afirmou, considerando que nos próximos tempos “avizinha-se uma clara mudança cultural”.
Mas, e à semelhança de outros países europeus, o padre Jardim Moreira acredita que “com ou sem violência esta mudança vai fazer-se”.
“O recurso à justiça e o reconhecimento da igualdade” entre as pessoas é, para o padre Jardim Moreira, a única forma de evitar os distúrbios socais.
“Se estes dois princípios fossem levados a sério pelos nossos governantes, conseguiríamos evitar conflitos, porque a pobreza é fruto das injustiças”, acrescentou a O Figueirense, destacando a necessidade de “um empenho colectivo e individual” com o objectivo de “encontrar amortecedores fortes de luta para esta problemática”.
O ponto de partida
A justiça como fundamento, a igualdade como regra de convivência, a partilha como expressão de solidariedade ou a proximidade como forma de ser humano são alguns dos “valores que a erradicação da pobreza exige”, aponta o presidente da REAPN.
“Entender a erradicação da pobreza como um problema de todos” é, de acordo com o teólogo, o ponto de partida para um novo contrato social.
“Esta luta inicia-se nos bancos das escolas. Se aí não começar então será muito difícil construir uma nova sociedade”, afirmou, realçando ser “fundamental parar de responsabilizar sempre o Estado uma vez que a sociedade tem de ser participativa”.
Jardim Moreira, de 62 anos de idade, lembrou os “40 anos de ditadura em que os portugueses viveram”.
À época a população “lutava por uma nova sociedade”, “hoje caiu-se no desânimo”, referiu.
“Actualmente temos uma sociedade quase desinteressada. Os cidadãos não acreditam que a pobreza possa ser erradicada. A população tem de ter consciência de que ser cidadão implica participação activa nos problemas, ou seja, cada um é responsável pela construção de uma nova sociedade”, observou.
Propostas para um novo contrato social
“A cultura da igualdade, sensibilidade, subsidiariedade e integralidade” são, de acordo com Jardim Moreira, valores base para o novo contrato social.
“Urge, na concretização destas premissas, um consenso político alargado, no qual sejam postas em marcha um conjunto de orientações estratégicas”, referiu.
Assim, “o reforço da cidadania e da participação da sociedade civil, tendo em vista a boa governação e uma democracia participada e eficaz; a subsidiariedade; a articulação e interacção das políticas e respostas; a monitorização/observação participada dos resultados e a participação dos próprios desfavorecidos na definição, implementação e avaliação das políticas que a estes dizem respeito” são algumas das propostas apresentadas pelo padre Jardim Moreira para um “novo contrato social”.