in Correio da Manhã
Classe média cai na pobreza
Neste Natal só há dinheiro para a prenda da filha, de quatro anos e meio. A família ‘Martins’ (nome fictício) enfrenta uma realidade que desconhecia: a pobreza. "Só conseguimos sobreviver com a ajuda dos pais e dos sogros, que vão dando o que podem", desabafa a mãe, que esconde a identidade por vergonha, explicando que são os avós que suportam a alimentação e o jardim-de-infância da criança.
S., de 35 anos, perdeu o emprego quando a loja em que trabalhava fechou e faz agora "umas horas" para uma empresa de limpezas. É casada com J. J., de 36 anos, que recebia 850 euros por mês numa oficina metalúrgica que entretanto faliu. Desde então, "vai fazendo uns biscates", mas o que ganham juntos mal chega para a prestação da casa, um T3 nos arredores de Santarém.
Este é o cenário do Natal dos ‘Martins’, em que o desalento se soma à falta de perspectivas de futuro. "Estamos casados há quase oito anos e não queremos depender da ajuda de ninguém, mas é impossível encontrar emprego. Para o ano, só vai piorar", afirma S., para quem o "mais dramático" é a filha "já se aperceber" de que estão "a passar dificuldades". "Antes, íamos a uma loja e comprávamos-lhe roupa nova. Hoje, já pergunta porque é que tem de vestir coisas que eram das primas", explica a mãe.
Por agora, o único apoio que recebem é da família directa, mas as instituições de solidariedade social de Santarém afirmam que o número de pedidos de auxílio disparou nos últimos meses. Surgem, na sua maioria, de famílias estruturadas que caem em situações de pobreza devido ao desemprego.
"Os pedidos de ajuda aumentaram significativamente", diz o provedor da Santa Casa da Misericórdia, Mário Rebelo, bastante apreensivo com o previsível aumento de situações de pobreza em 2011. A situação é mais notória a nível daqueles que pedem comida. "A procura de géneros alimentares disparou com a redução das comparticipações do Estado e vai aumentar quando o novo IVA entrar em vigor", adianta Elsa Vargas, coordenadora do Centro de Atendimento e Acolhimento Social da Santa Casa.
MOITA FLORES DÁ COMIDA AOS DESFAVORECIDOS
O presidente da Câmara Municipal de Santarém, Francisco Moita Flores, pediu de novo este ano às empresas e instituições do concelho que convertam o valor das prendas de Natal que costumam oferecer à autarquia em géneros alimentares para encaminhar para as famílias desfavorecidas. O objectivo da campanha é chegar às cinco toneladas, mais uma do que em 2009. A entrega é feita num stand montado junto aos Paços do Concelho.
RECOLHA DE BENS JUNTO À CÂMARA
A Câmara de Santarém está a promover uma campanha de recolha de géneros alimentares até 20 de Dezembro. Para o efeito, encontra-se montado um stand junto ao edifício dos Paços do Concelho.
INSTITUIÇÕES PREVÊEM PIOR
As instituições ligadas à solidariedade social no distrito de Santarém prevêem que no próximo ano aumente o número de famílias carenciadas, devido ao impacto das medidas do Governo para combater a crise económica.
DISCURSO DIRECTO
"TEMPOS SÃO MAIS DIFÍCEIS", Ramiro Matos, pres. Banco Alimentar de Santarém
Correio da Manhã – Quais foram os resultados da última campanha?
Ramiro Matos – Recolhemos 86 toneladas, um recorde para Santarém. Representa um aumento de 30% em relação à campanha de Natal de 2009 e 60% em relação à de Maio de 2010.
– A sociedade civil respondeu ao apelo do Banco Alimentar?
– Sem dúvida. Os portugueses são mais solidários e generosos quando os tempos são mais difíceis, empenham-se mais em dar e ajudar o próximo.
– Quantas instituições são apoiadas pela organização?
– Entregamos géneros alimentares a 55 instituições, que depois os encaminham para as famílias. Esta campanha, em dez concelhos da Lezíria do Tejo, envolveu dois mil voluntários.
LOJA SOCIAL APOIA 500 FAMÍLIAS
Os pedidos de ajuda na divisão de acção social da Câmara de Santarém "aumentaram significativamente no último ano". "Já não estamos a falar da pobreza tipificada, mas sim de pessoas que tinham as suas contas controladas no fim do mês e que agora vivem realidades dramáticas", diz o vereador Vítor Gaspar.
A ajuda do município centra-se no apoio à habitação. A autarquia tem 276 fogos de renda social e suporta o arrendamento de 31 casas no mercado privado. "A lista de espera é enorme", acrescenta Vítor Gaspar, uma vez que a câmara tem dado prioridade aos casos mais urgentes, que envolvem crianças, idosos e famílias em situações de maior fragilidade. "Para responder a todos, nem o triplo do parque habitacional chegaria", afirma.
A câmara criou também uma Loja Social, que desde Agosto de 2009 prestou apoio directo a mais de 500 famílias, distribuindo vestuário, calçado, alimentação, mobiliário e até electrodomésticos, através de uma rede que envolve hipermercados e empresas do concelho. "É um projecto diferente, que se tenta adequar às necessidades específicas de cada família", salientam Alice Teixeira e Raquel Henrique, as técnicas responsáveis.
Por outro lado, entre Janeiro e Novembro, a Santa Casa da Misericórdia de Santarém apoiou 1765 pessoas através das equipas que acompanham as famílias beneficiárias do Rendimento Social de Inserção e do Centro de Atendimento e Acolhimento Social, o serviço que dá resposta aos casos de maior urgência. E as famílias são de apenas duas freguesias urbanas.
REFEIÇÕES AOS FINS-DE-SEMANA NAS ESCOLAS
A Câmara Municipal de Santarém está a avaliar a hipótese de alargar o período de funcionamento das cantinas escolares, que podem passar a servir também jantares e outras refeições aos fins-de-semana. "Temos notado um aumento de crianças cuja única refeição completa que tomam diariamente é servida na escola", afirma ao ‘CM’ o vereador Vítor Gaspar, explicando que a autarquia está a estudar os custos de uma medida desta natureza.


