17.12.10

UE aprova grandes linhas do futuro fundo de apoio a países em crise

Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas, in Jornal Público

Dinheiro do novo mecanismo permanente ainda está por definir. Emissão de dívida pública sem acordo

Apesar das divergências sobre a melhor forma de enfrentar a crise do euro, os líderes da União Europeia (UE) acordaram ontem as grandes linhas de um fundo permanente de crises para vigorar a partir de 2013, esperando com isso conseguir acalmar os mercados financeiros.

O acordo foi concluído durante o primeiro de dois dias de uma cimeira inteiramente consagrada à crise do euro - a sétima desde o início do ano - marcada, uma vez mais, por diferenças de opinião sobre as soluções possíveis para a actual crise da dívida que começou na Grécia e Irlanda e está em risco de contagiar Portugal e Espanha.

Embora não tenham definido o volume financeiro do novo mecanismo, Yves Leterme, primeiro ministro belga que preside actualmente à UE, disse que "a vontade comum" dos Vinte e Sete é "ter tanto dinheiro quanto o necessário", embora remetendo a decisão final para "mais tarde".

A Bélgica é um dos países que defende que o futuro mecanismo deverá dispor de meios financeiros superiores aos 440 mil milhões de euros (mais 60 mil milhões do orçamento comunitário e 250 mil milhões do FMI) atribuídos ao actual fundo de socorro, que foi criado em Maio no pico da crise grega para proteger o euro. Isto, explicam os seus responsáveis, para provar aos mercados que a eurolândia tem "bolsos suficientemente profundos" para dissuadir a especulação financeira.

Herman Van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, frisou que ainda não foi tomada qualquer decisão concreta na matéria, mas garantiu que os governos europeus estão determinados a "fazer tudo o que for necessário para assegurar a estabilidade da zona euro no seu conjunto".

Van Rompuy considerou outro lado desnecessário aumentar o actual fundo provisório, como defendido pela Espanha, Bélgica, Banco Central Europeu e FMI, mas rejeitado pela França e Alemanha.

Dívida pública divide

As divergências persistem igualmente sobre a possibilidade de os países do euro passarem a emitir uma parte da dívida pública em comum para reduzir os custos de financiamento dos países mais frágeis. A ideia é defendida por vários países, mas rejeitada, de novo, por Paris e Berlim.

O consenso de ontem incidiu sobre os termos de uma pequena alteração do Tratado de Lisboa destinada a formalizar a criação do novo mecanismo de estabilidade financeira (MEE) que terá a missão de proteger o euro da especulação financeira depois de 2013.

A alteração foi pedida pela Alemanha para evitar que o novo fundo seja contestado pelo seu Tribunal Constitucional à luz da cláusula do Tratado de Lisboa que proíbe a zona euro de assumir a dívida dos seus membros.

Os líderes pretendem iniciar em Março o processo de ratificação da alteração acordada pelos parlamentos nacionais de modo a ter o novo mecanismo em vigor em Junho de 2013, altura em que expira o fundo temporário. O carácter muito limitado e conciso da alteração permitirá evitar a realização de referendos nacionais, de resultado incerto.

A pedido de Berlim, igualmente, o texto de alteração do Tratado afirma que o novo fundo - que fornecerá empréstimos garantidos pelos governos da eurolândia aos países com problemas de liquidez, mas não de solvabilidade, a taxas de juro preferenciais - só poderá ser activado se a estabilidade do euro estiver em risco. A sua utilização será condicionada à apresentação de rigorosos programas de austeridade destinados a corrigir rapidamente os desequilíbrios económicos e orçamentais detectados.

Uma última dificuldade que surgiu nos últimos dias prendeu-se com a pretensão alemã de inscrever igualmente no texto a noção de que o fundo só poderia ser activado em "último recurso" quando todas as outras possibilidades de socorro estivessem esgotadas. Os outros países resistiram, temendo abrir a porta a diferenças de interpretação nos tribunais constitucionais.

A fórmula que acabou por ser adoptada prevê que o fundo só será activado "se indispensável" para garantir a estabilidade do euro. O que, segundo vários diplomatas, é "o último recurso dito de outra forma" de forma a "permitir à Alemanha limitar as condições em que o mecanismo pode ser activado embora dando os governos alguma margem de manobra para apreciação e decisão política". Um problema que se revelou bem mais complicado de resolver foi levantado pelo Reino Unido que queria obter a garantia de que o novo MEE não representa qualquer obrigação para os países da UE que não integram o euro.

Depois de várias horas de negociações, os Vinte e Sete aprovaram uma declaração estipulando que a cláusula de solidariedade do Tratado de Lisboa que foi usada para criar a parte "comunitária" do actual fundo do euro, não voltará a ser usada para esse fim. Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, resistiu fortemente e acabou por não se associar à declaração, por recusar "reduzir as prerrogativas do Tratado", segundo explicou um diplomata.