Por Leonor Trindade e Daniel Bessa, in Jornal Público
O Conselho de Ministros aprovou no passado dia 28 de Outubro a adesão de Portugal ao Acordo de 17 de Outubro de 2000, relativo ao artigo 65.º da Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, vulgarmente designado por "Acordo de Londres", o qual possibilita às empresas a dispensa de apresentação da tradução integral dos documentos, no acto de protecção das suas patentes pela via europeia.
É importante reflectir sobre as razões que terão motivado esta decisão e, sobretudo, sobre o impacto previsível que a mesma terá para a construção de um espaço europeu de inovação coeso e prolífico.
Actualmente, as regras existentes no regime linguístico da patente europeia (prevendo a obrigatoriedade generalizada da tradução dos documentos) levam à falta de competitividade da patente europeia face às suas congéneres dos EUA e do Japão, pois os custos associados à protecção de um pedido de patente europeia em 13 países são 10 (!) vezes superiores aos custos de um pedido de patente nos EUA ou no Japão. Segundo dados da Organização Europeia de Patentes (OEP), os custos associados às exigências de tradução encarecem o processo de protecção em cerca de 40 por cento. Esta realidade leva a que os titulares de patentes limitem normalmente a protecção a apenas alguns Estados-membros da UE, conduzindo assim a uma concentração dos investimentos em I&D e de transferência de tecnologia em apenas determinados países (e não é evidente que Portugal seja um destes países). Ao invés, os EUA e o Japão, ao exigirem custos menores para a tradução das patentes, são países mais atractivos aos olhos de potenciais investidores, sendo também mais favoráveis ao desenvolvimento científico e tecnológico.
Foi a constatação desta realidade que levou a uma reflexão por parte dos países europeus no sentido de tornar o sistema mais acessível e menos burocrático, respondendo aos insistentes apelos das empresas europeias (sobretudo PME) e dos demais utilizadores do sistema europeu de patentes (instituições públicas de I&D, inventores individuais). É precisamente neste contexto e para este efeito que surge o "Acordo de Londres".
Através do Acordo de Londres os países aderentes comprometem-se a libertar as empresas, no acto de validação nos seus territórios, da exigência de tradução do conteúdo integral das patentes europeias para as suas línguas oficiais, compromisso este que, dependendo da vontade do país que pretenda associar-se ao acordo, pode implicar a dispensa das traduções de um modo integral ou apenas parcial.
Em alguns fórunsformais e informais tem vindo a ser afirmado que a adesão de Portugal ao Acordo de Londres fará com que as empresas portuguesas passem a ver restringido o acesso à informação das patentes validadas no nosso país, forçando-as a despender avultadas quantias em traduções para que possam aceder, em português, à informação técnica necessária ao progresso científico e tecnológico ou para que possam acautelar eventuais infracções de patentes alheias. Esta ideia não pode estar mais longe do que é hoje a realidade no sistema de patentes, quer a nível nacional, quer a nível mundial.
É inquestionável que as patentes desempenham um importantíssimo papel enquanto veículo de difusão de informação tecnológica e científica e que essa informação deve estar plenamente acessível ao público, não só como fonte de desenvolvimento científico e tecnológico e de transferência de tecnologia, mas também como fonte de segurança jurídica, informando os vários interessados sobre os limites de actuação de que dispõem nas suas actividades de pesquisa e investigação.
Justamente por esta razão, a adesão de Portugal ao Acordo de Londres em nada vem alterar o que é já a prática enraizada das empresas inovadoras e dos investigadores - consultar o conteúdo dos pedidos de patente no exacto momento em que são publicados pelo IEP, independentemente da língua em que se encontram redigidos, não aguardando seis longos anos até que a patente seja validada em Portugal (período que o IEP leva para tomar uma decisão quanto à concessão de um pedido de patente) e acompanhada da respectiva tradução para português.
A comprová-lo está o facto de, na larga maioria dos casos, os cidadãos e as empresas portuguesas não consultarem os elementos técnicos das patentes europeias validadas em Portugal. Não surpreende, por isso, que as estatísticas do INPI revelem que foram consultados, em 2009, elementos de apenas 2% do número total de patentes europeias validadas no nosso país.
A adesão do Estado português ao Acordo de Londres não ofende nem subalterniza a língua portuguesa, dado que foram accionados todos os mecanismos existentes no próprio acordo que permitem proteger as línguas nacionais. Com efeito, Portugal, ao aderir a este acordo no modo parcial, continua a exigir, aquando da validação no nosso país de uma patente europeia concedida em inglês, a entrega de uma tradução para português daquilo que representa o seu núcleo essencial e que delimita, juridicamente, o seu âmbito de protecção, as reivindicações. Por outro lado, é também exigível, em caso de litígio, a entrega de uma tradução integral da patente.
Sendo um tratado de adesão voluntária (aderiram até ao momento 16 países: Alemanha, Croácia, Dinamarca, Eslovénia, França, Holanda, Islândia, Lituânia, Letónia, Liechtenstein, Luxemburgo, Mónaco, Reino Unido, Suécia, Suíça e a Hungria), entendemos que Portugal não deve manter-se à margem de um movimento europeu que pretende facilitar o acesso ao sistema de patentes pelos agentes de inovação europeus. É natural que a sucessiva adesão dos países contratantes da Convenção de Munique crie um natural e saudável "efeito de contágio" que a todos nós, cidadãos europeus, beneficia.
Se, como se preconiza na nova estratégia de desenvolvimento económico para a União Europeia Europa 2020, é fundamental que a Europa crie uma verdadeira "União da Inovação", Portugal deve estar entre aqueles que lideram este movimento, em vez de, passivamente, voltarmos à velha postura de sermos os últimos a aderir, contrariados, ao que o Mundo há muito fez avançar.
Leonor Trindade, presidente do Conselho Directivo do INPI
Daniel Bessa, director-geral da Cotec Portugal.


