31.1.11

FMI assinala problema de imagem nas contas públicas

por Luís Reis Ribeiro, in Diário de Notícias

Medidas do défice chegam, mas Governo deve apostar em aumentar "credibilidade".

As medidas de redução do défice público anunciadas pelo Governo nos últimos meses chegam e sobram, mas subsiste um problema de credibilidade na sua tradução prática, assinala o Fundo Monetário Internacional. O FMI indica que o Executivo de Sócrates está a trabalhar para melhorar isso.

Em resposta a perguntas do DN, fonte oficial do Fundo diz que, na actualização do relatório "Fiscal Monitor", na semana passada, "não estamos a sugerir que seja necessário qualquer ajustamento adicional [ao actual programa de redução do défice]". "Estamos simplesmente a assinalar que o Governo não pretende aumentar a consolidação projectada em 2011, mas sim aumentar a sua credibilidade", sublinha o FMI. O gabinete do primeiro-ministro não quis comentar. Esta será mais uma semana decisiva: na quarta-feira, o Governo irá fazer dois leilões de dívida pública de curto prazo, que poderão valer 1,25 mil milhões de euros.

No estudo, o FMI observa que, "apesar da adopção" de "novas medidas" este ano - como o aumento dos impostos e a redução de salários públicos e de apoios sociais e os limites às pensões -, o défice "fica inalterado" em 4,6% do PIB em 2011. Este rácio foi de 9,3% em 2009 e terá caído para menos de 7,3% em 2010 na sequência de uma execução orçamental melhor que o previsto. Ao DN, o FMI alerta que a redução do défice "irá envolver um ajustamento notável, a começar este ano, e notamos que o Governo pretende implementar medidas difíceis e as reformas necessárias para atingir esta meta". É esta dificuldade que levanta a questão da credibilidade, no entender do Fundo.

Ontem, José Sócrates, no papel de secretário-geral do PS, voltou a defender a sua dama: "Eu tenho um plano", "o PS vai salvar Portugal do FMI", disse (ver pág. 9). Como primeiro-ministro, insiste que "Portugal não precisa de nenhum FMI", que a República continuará a ir ao mercado para emitir dívida e que as finanças públicas são credíveis. De facto, a execução orçamental de 2010 correu melhor que o previsto, devendo o défice ficar abaixo dos 7,3%. Para este ano, foram anunciadas mais medidas draconianas que começarão a ser visíveis nos próximos meses, acreditam vários economistas. Manuel Caldeira Cabral, professor da Universidade do Minho, defende que "o FMI não deve servir para lançar dúvidas sobre o País". "Não penso que seja esse o objectivo do comentário: o FMI quer estabilidade financeira, sobretudo nos países do Euro, os mais atacados nesta fase da crise". E mais: "As medidas duras anunciadas existem, não são uma promessa." "Os funcionários públicos estão a sentir cortes nos salários, há um controlo grande na contratação, os portugueses estão a pagar mais impostos e a receber menos ou até a perder apoios sociais". "Isto não é ficção, terá de vir na execução orçamental dos próximos meses, ajudando à credibilidade do plano", remata.

Miguel Beleza, ex-ministro das Finanças, considera que "os últimos resultados da execução orçamental são razoáveis", mas alerta que "foram cometidos erros em 2010 que fizeram o País perder credibilidade". "Penso que o FMI está desconfiado, não do Governo em si, mas da exequibilidade das medidas. Isto mostra que a credibilidade é uma coisa que se perde num instante e pode demorar anos a recuperar", diz o professor de Economia. "E é natural que o FMI esteja atento dessa maneira, pois continua a existir um espectro de crise política e condições estruturais - fraca capacidade para crescer - muito adversas." Luís Mira Amaral, economista e empresário, concorda com esta tese e acrescenta: "O FMI preocupa-se com a estabilidade financeira global e está de olho nos países problemáticos do Euro; é óbvio que tem dúvidas quanto à credibilidade do programa de ajustamento: não é só o das contas públicas, é o do País todo."