5.8.14

Crise obriga a silenciar vítimas de violência doméstica

in Ribatejo

No último mês de junho, todas as campainhas de alarme tocaram no GAV - Gabinete de Apoio à Vítima em Santarém. Santarém registou um número recorde de 35 novos processos de violência doméstica. A funcionar em Santarém desde 2007, o Gabinete de Apoio à Vítima é coordenado por Carmen Ludovino, advogada que trocou a barra dos tribunais para abraçar esta causa.

“A razão para este súbito aumento das denúncias pode estar no facto de terem sido mortas duas mulheres em Santarém, nos dias 1. e 12 de junho, vítimas de violência doméstica”, afirma a O Ribatejo Carmen Ludovino. “Estas mortes fizeram muitas pessoas tomarem consciência de estarem também elas em perigo iminente ou levaram a familiares e vizinhos a quebrar o silêncio que normalmente envolve estes casos”, adianta a gestora do GAV. Isto embora a violência doméstica seja crime público - a exemplo dos homicídios, sequestros, roubos ou abuso sexual de crianças bastando que o Ministério Público tenha conhecimento, por qualquer via, da sua ocorrência para instaurar um processo crime, ou seja, o processo é aberto independentemente da vontade da vítima, podendo ser denunciado por qualquer pessoa que tiver conhecimento da sua prática.

No entanto, em 2013 registou-se um menor número de denúncias relativamente ao ano anterior. “Com a crise, agrava-se a falta de recursos económicos e sociais, e as pessoas hesitam em denunciar os casos, vão aguentando os maus tratos, a violência, porque não têm suporte social que lhes permita sair de casa e reconstruir as suas vidas longe dos agressores”, afirma Carmen Ludovino. Na verdade, adianta, “regra geral, o agressor fica em casa e mantém o emprego, enquanto a vítima e os filhos têm de sair da residência, ir para casa de amigos,
familiares ou casas-abrigo, e têm de abandonar o emprego, além de sofrerem ainda a chamada vitimização secundária que recai sobre os filhos que por sua vez têm de abandonar a escola, os amigos... O último recurso são as casas-abrigo, em que temos de “prender” as vítimas!”, afirma a gestora do GAV.

Carmen Ludovino afirma que a “Lei é excelente, prevê medidas de coação urgentes, de proteção das vítimas, etc., mas na realidade, para os seus aplicadores, a lei é letra morta; o GAV sugere ao MP e aos juízes a aplicação de medidas de restrição de contato do agressor /afastamento da vítima, aplicação de pulseiras eletrónicas, mas regra geral é a vítima que tem de sair de casa e abandonar o emprego”. Desta forma, afirma Carmen Ludovino, “muitas vítimas decidem ficar caladas e acabam por sofrer uma intensificação da violência doméstica, nunca se sabendo quando estão em perigo eminente da própria vida”. A gestora do GAV Santarém considera que “não há saídas para as vítimas. Na Segurança Social são cortes, cortes e mais cortes. As autarquias não têm habitação social”.

Carmen Ludovino afirma que “quando as vítimas são empregadas nas grandes cadeias de hipermercados, ainda se consegue transferir o seu local de trabalho e, assim, facilitar o reinício de vida noutro local, mas de forma geral não há saídas e, por isso, se calhar, silenciam mais, pois sabem que a rotura vai tornar a situação insustentável do ponto de vista económico, com o aumento das despesas e sem apoios de qualquer espécie”.

Ainda assim, no passado mês de junho, verificou-se um número anormal de novos processos. Houve 35 novos casos em Santarém. O facto de ter havido duas mortes por violência doméstica a 1 e a 12 de junho em Santarém pode ter levado a que muitas pessoas tenham denunciado casos de violência doméstica com receio de terem o mesmo fim que aquelas duas mulheres, ou até mesmo de vizinhos, amigos ou familiares que tenham decidido deixar de ser cúmplices destes crimes.

CRIMES No decorrer do ano de 2013, o Gabinete de Apoio à Vítima de Santarém trabalhou em 312 processos de apoio, realizando um total de 1.953 atendimentos. No que diz respeito aos 312 processos de apoio registados em 2013, há que referir que em 296 deles (94,9%) verificou- se efetivamente problemática de crime. Os crimes praticados no âmbito da violência doméstica representam mais de 80% dos crimes registados pelo GAV de Santarém.

Em 2013, registaram-se 3 homicídios consumados, um tentado, 31 ofensas à integridade física simples, uma ofensa à integridade física grave, 12 casos de maus tratos (que não de violência doméstica). Registaram-se 4 casos de violação (crianças e adultos, 4 de assédio sexual (com prática de atos sexuais), 6 de importunação sexual e 6 de abuso sexual de crianças (menos de 14 anos de idade. Nos
crimes contra a honra e a reserva da vida privada, registaram-se 14 casos de difamação, 5 de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, 2 de devassa da vida privada/gravações e fotos ilícitas, 3 de violação de correspondência ou de telecomunicações. os crimes de violência doméstica, registaram-se 9 casos de violação de domicílio, 7 de violação de correspondência ou de telecomunicações, 8 de dano, 6 de violação, 5 de furto/roubo, 4 homicídios tentados, 4 devassa da vida privada/ gravações e fotos ilícitas, 1 de coação sexual, 1 de abuso sexual de crianças, 1 de abuso sexual de menor dependente. Nos crimes de violência doméstica no sentido estrito, num total de 655 casos registaram-se 141 casos de ameaça/ coação (20%), 103 injúrias/difamação (14,6%). 171 maus tratos físicos (24,3%), 231 maus tratos psíquicos (32,8), 7 de natureza sexual (1%).

Grande plano
Santarém Crise obriga a silenciar vítimas de violência doméstica
No passado mês de junho, verificou-se um número anormal de novos processos de violência doméstica. Houve 35 novos casos denunciados em Santarém, após as notícias dos homicídios de duas mulheres em Santarém, vítimas de violência doméstica..
Gabinete de Apoio à Vítima de Santarém recebeu 312 vítimas