Samuel Silva, in Público on-line
Desemprego é mais baixo entre os diplomados e um trabalhador com curso superior pode esperar ter um salário 70% maior do que o colega que tenha apenas o secundário.
As histórias de jovens empreendedores que lançaram ideias de negócio de sucesso sem terem concluído uma formação superior entram todos os dias pelas casas dos portugueses dentro. Na família ou na vizinhança, todos parecem conhecer histórias de exemplos que ajudam a insuflar o desemprego jovem para números recorde.
A isto juntam-se os discursos políticos de apelo à emigração e valorização do chamado ensino vocacional. Todos são ingredientes de um caldo cultural que parece contribuir para uma desvalorização social da formação superior. É assim que dois especialistas olham para a quebra da procura das licenciaturas nos últimos anos, dizendo que é preciso encontrar argumentos que possam ser usados nas conversas quotidianas para desmontar estes discursos.
“Os dados e as estatísticas desmentem estas ideias superficiais”, defende a socióloga da Educação da Universidade do Minho (UM), Fátima Antunes, lembrando, por exemplo, que apesar de o país ser o terceiro país da OCDE com mais desemprego entre os jovens, atingindo 35,4% da população entre os 15 e 34 anos, de acordo com a Direcção-Geral do Ensino Superior, a taxa de desempregados com licenciatura ou mestrado integrado registadas no IEFP é de 8%, uma valor significativamente menor.
Os relatórios da OCDE também têm continuado a demonstrar que estudar no ensino superior compensa. No seu último relatório anual sobre Educação, Education at a Glance 2013 aquele organismo internacional mostra que continua a valer a pena ter um curso superior em Portugal do ponto de vista da remuneração futura. O prémio já foi maior (desceu 8% entre 2004 e 2010), mas, mesmo assim, este continua a ser um dos países onde mais se valorizam os estudos: um trabalhador com curso superior pode esperar ter um salário 70% maior do que o colega que tenha apenas o secundário. Portugal destaca-se também por ser aquele onde o benefício económico bruto é mais elevado no caso das mulheres, que podem aspirar a receber mais 134 mil euros ao longo da sua vida de trabalho do que as que têm apenas o secundário.
“Precisamos de ter uma capacidade de comunicação que pelo menos confronte essa ideia superficial e de marketing”, defende a especialista, reconhecendo que é difícil combater ideias feitas “quando há casos concretos do vizinho do lado” a serem apresentados para rebater os dados apresentados. “O desafio é transformar isto numa mensagem que as pessoas possam usar à mesa do café”, sustenta Fátima Antunes.
Outra alteração dos últimos anos que parece ter contribuído para uma alteração do valor social das licenciaturas foi a maior aposta no ensino profissional. No ano passado, Paulo Peixoto, do Observatório de Políticas de Educação e Formação da Universidade de Coimbra fez uma avaliação dos estágios no estrangeiro dos estudantes de cursos profissionais e percebeu que o ensino superior e percebeu que o discurso em torno do sector e as políticas aplicadas nos últimos anos “retiraram um pouco do estigma que pesava sobre o ensino profissional”. Só que essa realidade acabou por ter efeitos sobre o ensino superior. Tirar uma licenciatura imediatamente a seguir à conclusão do 12º ano “deixou de ser uma inevitabilidade num ciclo de formação”. “Os jovens continuam a reconhecer o valor da formação superior”, afirma Peixoto, mas este deixou de ser “um destino imediato”. “Será algo que tentarão um dia mais tarde, depois de uma primeira passagem pelo mercado de trabalho”.