28.10.14

Unicef. Crianças são o grupo etário em maior risco de pobreza

Por Marta Cerqueira, in iOnline

Dados de 2011 revelam que 21,8% das crianças em Portugal viviam em famílias com rendimentos per capita inferiores a 416 euros por mês

"Quando não há comida, os meus pais fazem isto: deixam de comer para nos dar à gente." Este é o relato de uma das 77 crianças ouvidas no âmbito do relatório "As Crianças e a Crise em Portugal", criado pela Unicef para analisar o modo como as crianças observam a crise e a forma como as dificuldades económicas influenciam as suas vidas.

O documento mostra que, desde 2008, as crianças são o grupo etário em maior risco de pobreza em Portugal e que a crise trouxe um maior fosso entre as famílias com e sem crianças, já que o risco de pobreza nas famílias numerosas é de 41% e nas famílias monoparentais é de 31%. Dados de 2011 revelam que havia em Portugal 412 mil crianças em risco de pobreza, o que corresponde a dizer que 21,8% das crianças viviam em famílias com rendimentos per capita inferiores a 416 euros por mês.

Naquele que é o primeiro relatório da Unicef sobre o impacto da crise entre crianças e adolescentes portugueses, pode ler--se que a taxa de privação material infantil - quando não existe acesso a três ou mais itens definidos a nível europeu e que englobam o pagamento de empréstimos, ter televisão a cores em casa ou ter carro - atingiu o seu valor máximo, 27,5%, em 2010, ano em que foram adoptadas as primeiras medidas de austeridade. Segundo os dados disponíveis, "este valor tem vindo a decrescer desde 2010, não deixando, no entanto, de ser o mais elevado comparativamente a outros grupos etários", adianta o texto. Já quando se fala em privação grave (quatro ou mais itens de privação material), a percentagem de crianças atingida tem vindo a aumentar de forma sistemática desde 2008, com 222 mil crianças sinalizadas nesta situação em 2011.

Recurso aos avós Nos relatos das crianças e jovens fica patente a preocupação com os impactos da crise, sendo os temas ligados ao emprego e ao consumo das famílias os mais frequentemente referidos durante as entrevistas. As crianças de famílias mais vulneráveis referem cortes no consumo de alimentos como carne, peixe ou iogurtes, cortes em vestuário e calçado, assim como mudanças de casa e cortes nas actividades extracurriculares. Em algumas destas situações, são os avós o recurso em situações de atraso no pagamento de contas ou contracção de dívidas. No entanto, o estudo refere que a geração dos avós está a ter mais dificuldade em assegurar o apoio às gerações mais novas devido a problemas económicos.

Estratégia O comité português para a Unicef defende a criação de uma Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza Infantil. Além disso, e para colmatar a falta de informação sobre a situação real das crianças, pede que seja criado um sistema de recolha de dados que abranja todos os aspectos da sua vida e que cubra todo o seu período de vida até aos 18 anos. Defende igualmente que haja um investimento na educação na primeira infância, especialmente entre os zero e os três anos, garantindo o acesso gratuito às famílias com baixos rendimentos.