27.10.14

Não se sabe quantas vítimas há de tráfico para mendicidade

in Notícias ao Minuto

Em Portugal existem vítimas do tráfico de pessoas para a mendicidade, mas desconhece-se a dimensão do fenómeno, conclui um relatório da Rede Europeia Anti-Pobreza, que alerta para a falta de respostas para estas pessoas, principalmente no caso das crianças.

O trabalho da Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal (EAPN) insere-se num projeto promovido por uma organização não-governamental (ONG) italiana, financiado pela Comissão Europeia, e que envolveu, para além de Portugal, Itália, Bulgária e Roménia.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da EAPN para a Europa explicou que este trabalho parte de um primeiro diagnóstico feito em Itália, onde o problema tem contornos preocupantes e onde se quis fazer o ponto da situação para perceber o percurso de quem se dedica à mendicidade.

A cada país envolvido no estudo coube escolher uma zona do território para fazer o seu trabalho de campo, tendo em Portugal a escolha recaído sobre a cidade do Porto, segundo Sérgio Aires porque nesta cidade o fenómeno do tráfico para a mendicidade é ainda menos conhecido do que na capital, Lisboa.

Do trabalho de campo feito durante cerca de dois meses, com entrevistas a cerca de 40 pessoas, saiu a certeza de que existem em Portugal vítimas de tráfico para a mendicidade forçada, no entanto, não foi possível perceber se se está perante um fenómeno com uma dimensão de alarme ou se é residual.

"Não tenho nenhuma dúvida que existe tráfico para via da mendicidade forçada em Portugal, ninguém pode é apresentar uma perspetiva sobre a sua dimensão, mas como eu digo muitas vezes, a partir do momento em que há uma criança traficada para a mendicidade e havendo situações muito perigosas e lamentáveis em termos de dignidade humana, já temos um problema", defendeu o responsável.

Sérgio Aires não tem dúvidas de que as pessoas que estão na mendicidade não vieram para Portugal pedir esmola porque quiseram, mas sublinha que, mesmo que assim fosse, existe a obrigação de fazer tudo para que eles façam outra coisa na vida.

Nesse sentido, alertou que existem poucas respostas adaptadas que possam constituir uma alternativa a quem está na mendicidade, nomeadamente em relação à mendicidade infantil.

"Se alguma daquelas crianças ou jovens quiser delatar a situação e quiser ser protegida, existem centros de proteção, mas estão vinculados a outro tipo de problema (...). Por isso, às vezes os espaços para onde seria possível mandar as pessoas não estão muito adaptados e as respostas também não", denunciou.

De acordo com Sérgio Aires, existem tanto nacionais como estrangeiros a pedir esmola, adiantando que, aparentemente, tem havido uma diminuição da mendicidade das pessoas dos países de leste, como a Bulgária ou a Roménia.

Sublinhou que é "muito difícil" fazer a distinção entre as pessoas que praticam mendicidade por vontade própria e as que foram traficadas e alertou que este é um fenómeno que vive da vulnerabilidade dos mais fracos e que, por isso, anda de mãos dadas com a pobreza e a exclusão social.

Do trabalho feito, Sérgio Aires disse não ter encontrado nenhum caso de um português na mendicidade onde houvesse suspeitas de tráfico, mas disse ter ficado a conhecer histórias variadas, desde pessoas que já estão na rua há 40 anos até à pessoa que acabou de chegar e nunca pensou encontrar-se naquela situação.

"Espero que esta investigação sirva para, pelo menos, construir protótipos de intervenção social um bocadinho diferentes e baseado num trabalho em rede entre os diferentes organismos", apontou o responsável.

Estas e outras conclusões são apresentadas hoje num seminário na cidade do Porto.