24.4.15

“Ninguém quer voltar para a situação sem horizontes que tinha antes”

Texto de Mariana Correia Pinto, in Público on-line

Na Nova Zelândia, Tiago Almeida encontrou um equilíbrio entre vida profissional e pessoal que dificilmente seria possível em Portugal. Regressar é um plano a longo prazo — "mais daqui a dez do que daqui a dois anos". Governo lançou em Março programa de apoio ao regresso de emigrantes. Pode o VEM fazer a diferença? O P3 foi ouvir jovens portugueses que estão lá fora.

“Não emigrei por necessidade. Estava a trabalhar na minha área, num gabinete de engenharia, no Porto. O que me fez sair foi a vontade de agarrar um desafio profissional novo que me permitisse uma progressão na carreira. Mas foi também a procura de uma componente de desenvolvimento pessoal. Em boa verdade, em Portugal podia alcançar parcialmente alguns dos objectivos que tinha. Mas conhecer e adaptar-me a uma nova cultura só era possível emigrando. A escolha da Nova Zelândia como país de destino reunia todas as dimensões que procurava. Estou aqui há quase três anos. Este salto permitiu-me aprofundar conhecimentos técnicos e científicos na engenharia, sobretudo sísmica, aprender outra cultura de trabalho e, ao mesmo tempo, participar na construção de um país que é muito recente.

Cheguei aqui já com tudo tratado. Tinha emprego e mais uma série de coisas garantidas. As maiores diferenças são ao nível da linguagem — e não estou a falar do domínio de uma língua estrangeira, mas sim das especificidades culturais de língua e de comunicação. Falar inglês todos sabemos, mas a forma como eles falam não é a mesma que nós usamos quando vamos de férias. Levou mais tempo do que previa a adaptar-me a esse lado. Depois, encontrei um método de trabalho completamente diferente. Aqui há um planeamento muito grande e esse planeamento permite um grande equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal — que é valorizado e mesmo incentivado. Há uma noção muito grande do custo de trabalho. Se estou uma hora a trabalhar, alguém tem de pagar essa hora, portanto não há tempo para se estar disperso. Há mesmo uma noção de que um dólar é um dólar.

Este é o meu segundo emprego. Trabalhei em Portugal e depois aqui e estou no mesmo escritório desde que cheguei. Por coincidência, um colega de curso veio na mesma altura para a Nova Zelândia e acabamos por estar juntos sempre que possível. Mas cada um veio por si. Agora vivo com a minha namorada, que chegou cerca de um ano e meio depois de eu cá estar. A Ana tem formação base em Psicologia e, neste momento, trabalha na AUT, a Auckland University of Technology, uma das principais universidades da cidade, no departamento de gestão de cursos e de qualidade do ensino.

A comunidade portuguesa em Auckland, e na Nova Zelândia em geral, é muito pequena. Não é aquilo a que se está habituado na Europa, com um milhão ou dois de emigrantes em cada sítio. Acho que somos cerca de 400 na Nova Zelândia. O meu espectro de amigos passa por tudo. Desde portugueses a neozelandeses, japoneses... A Nova Zelândia é um país completamente multi-cultural que, neste momento, vive de emigrantes. Isso ajuda na integração. Têm processos de acolhimento muito bem implementados. Há montes de apoios na adaptação e as pessoas são muito receptivas e disponíveis.

Quando houver condições

Nós queremos voltar a Portugal, mas não num futuro próximo. Queremos voltar quando houver condições de enquadramento profissional e quando sentirmos que esta aprendizagem que estamos a fazer no estrangeiro está completa. Não sei daqui a quanto tempo isso poderá acontecer. Mas é mais daqui a dez do que daqui a dois anos. Voltar em breve só numa situação de emergência ou calamidade.

Há uma ideia pré-concebida de que quem está no estrangeiro está num país fantástico e é só férias e passear. Não é verdade. Nós estamos aqui para trabalhar. E a distância a que estamos da família e dos amigos tem um preço. Em média, vou a Portugal uma vez por ano. Enquanto isso, uso o Skype para comunicar, apesar de as 12 horas de difrença de fuso horário não ajudarem muito. Continuo a acompanhar, diariamente, o que se passa no meu país. O que mudou é que passei a ser mais eu a ir atrás da informação. Controlo mais a quantidade de notícias que quero ter.

Como disse, não saí pela situação em que estava nem pela conjuntura do país. Não saí revoltado nem zangado. Gosto imenso de Portugal. Aliás, digo sempre bem de Portugal quando posso. Na brincadeira, quando aqui vêem notícia de alguma invenção, já me perguntam se foi algum português. Faço muita promoção. Mas é óbvio que me sinto esquecido pelo meu país. Vejo muita pouca informação sobre os emigrantes. Havia, por exemplo, o programa dos portugueses pelo mundo, que era uma ideia interessante, mas que é muito pouco para acompanhar aquilo que se passa.

Vejo a actual situação do país com muita cautela. Há indícios de que alguma coisa está a mudar, mas, na prática, as pessoas continuam todas com muitas dificuldades, sem perspectivas de vida. Falo às vezes com colegas que estão em Portugal e noto-lhes, no tom de voz, muito desânimo. Tive a sorte de poder sair, mas há quem não a tenha. Quem esteja preso a uma realidade que não muda e na qual não consegue intervir.

Já ouvi falar numa série de programas de apoio ao regresso dos emigrantes, todos eles com umas siglas muito interessantes, como o VEM, mas que, na prática, não se traduziram em nada de concreto. A ideia com que fico é que este novo programa é, sobretudo, para portugueses que estão no estrangeiro em situações precárias, mesmo desempregados. Deixou-me um pouco desiludido, porque não vejo nada em concreto que abranja a globalidade dos portugueses que estão fora.

Estou curioso para ver que resultados é que este programa vai ter. Mas não me parece suficiente. Há, por exemplo, um pacote que dá uma subvenção não reembolsável de 20 mil euros para se integrar o negócio em Portugal. Acho isso fantástico e espero que as 50 subvenções que vão dar agora se transformem em 5 mil ou 50 mil quando for possível. Mas isso por si só não chega. Ninguém quer voltar para a situação sem horizontes que tinha antes. Para os salários antigos, para a carga fiscal antiga. É preciso uma mudança integrada muito maior do que um benefício para que um emigrante volte. Tem de haver uma mudança estrutural muito grande que permita ter o que, no fundo, viemos procurar fora — progressão de carreira e equilíbrio de vida. Na prática, não consigo dizer uma acção que gostaria que fosse tomada. É um conjunto de mudanças. Por isso é que digo que só vou voltar daqui a dez anos.”

Depoimento recolhido a partir de uma entrevista