14.4.15

"Os portugueses já são um pouco como os alemães"

por Luís Reis Ribeiro, in Dinheiro Vivo

Entrevista a Klaus Regling, diretor-geral do Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE).

É o representante do maior credor de Portugal na Europa: o MEE emprestou 26 mil milhões de euros que o país terá de pagar nas próximas décadas. Esteve em Lisboa na passada sexta-feira para um debate sobre a zona euro, a convite da ministra das Finanças. Faz grandes elogios aos portugueses e espera que estes continuem o esforço de ajustamento nos próximos dez a 20 anos.

No caso de Portugal existe a preocupação sobre a sustentabilidade da dívida e o seu tamanho. Considera que há tempo suficiente para fazer o ajustamento necessário para cumprir as regras? Não sente que existe, no futuro, risco do país não conseguir pagar a tempo?

Realmente, não acho. Claro que a dívida atingiu um nível alto. Até certo ponto isto era inevitável porque a crise significou uma redução do PIB. Quando o denominador cai, o rácio da dívida sobe. Mas quando o país concluir os principais esforços de reforma existe uma base nova para um crescimento potencial mais elevado e afastar-se-á destes rácios de dívida muito elevados.

Deve o Governo de Portugal pagar antecipadamente ao FEEF/MEE como fez com o FMI?

Substituir dívida do FEEF por dívida privada não ajudaria porque o nível de dívida continuaria a ser o mesmo. E o problema é que as taxas de juro de mercado seriam mais altas do que as nossas.

Mesmo agora?

Claro. O nosso rating é AA+ e, apesar de as taxas de juro de Portugal terem descido muito - penso que a maturidade a dez anos foi de cerca de 1,6% na semana passada - para nós continua a ser muito mais baixa que 1%. O FMI cobra taxas muito mais altas e comissões do que o FEEF/MEE. Por isso faz sentido comercial pagar ao FMI. De momento, não faz sentido pagar-nos [antecipadamente] porque as nossas condições são muito favoráveis.

Mas é possível pagar mais cedo?

Sim, se for aprovado pelo Eurogrupo.

Ainda há quem levante dúvidas em relação à dívida portuguesa. Porquê? Por causa da economia?

Penso que são principalmente académicos que questionam isso. Pessoas que defendem a necessidade de um haircut [redução do capital em dívida] e de uma reestruturação. Não penso que estejam corretos.

Porquê?

Na análise de sustentabilidade feita pelas instituições podemos ver que a sustentabilidade é possível se as reformas continuarem. Défices orçamentais pequenos são um elemento importante já que reduzem a acumulação de dívida todos anos. À medida que o tempo passa, as reformas estruturais vão proporcionar crescimento mais forte e ajudar mais a cortar o rácio da dívida.

Para cumprir as regras do Tratado, Portugal precisa de crescer muito mais rápido do que alguma vez no passado. É realista?

Nos próximos dois anos, não, mas ao longo do tempo, sim. O BCE está determinado em fazer subir a inflação até à sua meta de próximo de 2% e não vejo por que razão Portugal não será capaz de atingir taxas de crescimento potenciais de 2%. O crescimento real em Portugal deverá ser mais alto que o da média da zona euro porque existe um desvio significativo nos níveis de produtividade.

Com que rapidez deve isso acontecer?

Acredito que este desvio deverá ser reduzido de forma significativa nos próximos dez a 20 anos. Com as políticas corretas, Portugal pode crescer muito mais rápido do que a média do euro.

Um crescimento potencial de 2% é realista?

É um número por alto. Na zona euro, atualmente, o crescimento potencial é de cerca de 1% a 1,25%. Isto pode ser reforçado com reformas estruturais embora tenhamos de ser realistas porque a demografia não é muito favorável. Não sei por que razão Portugal não haverá de convergir outra vez como fez no passado.

Existe compromisso suficiente em Portugal para isso? No longo prazo, digo.

Para os economistas é muito fácil dizer o que tem de ser feito. Compreendo completamente que a implementação política é difícil em todos os países, sejam pequenos ou grandes. Como economista posso apenas encorajar Portugal e outros a fazerem-no porque a recompensa virá. Hoje, já estamos a ver isso na Europa.

Onde?

Vemos claramente na Irlanda e em Espanha, mas também em países que não atravessarem crises nos últimos anos. Compare França e Alemanha, por exemplo. As pessoas esquecem-se que entre 1995 e 2005, durante dez anos, França cresceu, em média, por ano, um ponto percentuais mais do que a Alemanha. Agora, a Alemanha está melhor do que França. Porquê? Porque a Alemanha implementou mais reformas do que os outros na última década. É a razão chave.

Mas antes dessas reformas a Alemanha já era uma economia forte a nível global, não?

Sim, mas tinha grandes problemas. O maior delas era o desemprego. Havia à volta de cinco milhões de desempregados, hoje há apenas 2,7 milhões, o que é ainda muito, mas o país tem a taxa de desemprego mais baixa da Europa. Não teve uma crise de acesso ao mercado, mas teve uma crise interna porque havia muita gente desempregada.

Sente que os Portugueses podem ser como os alemães, nesse sentido [reformas]?

Penso que já são um pouco como os alemães, nesse sentido, porque os portugueses começaram a implementar reformas há cinco anos.

Com sucesso? Com resultados? Alguns, como as missões do FMI e da Comissão, dizem que as reformas foram anunciadas e que sentem um certo aumento na complacência.

Estou ciente disso. Mas se me está a perguntar: foi um sucesso? Eu digo sim. E não apenas no acesso ao mercado. Se vir os indicadores da OCDE, do Banco Mundial, do Fórum Económico Mundial, Portugal está no top 5 dos reformadores.

Então não são apenas reformas anunciadas?

As estatísticas da OCDE e do Banco Mundial olham para as reformas implementadas e até para os resultados. Isto não significa que tudo esteja feito. As preocupações manifestadas pelo FMI e pela Comissão estão focadas no facto de ainda haver trabalho por finalizar. O MEE, que participa na vigilância pós-programa de Portugal, também partilha esta visão. Mas, olhando para trás, temos de dar crédito à população portuguesa e ao governo pelo que foi já alcançado.

Fala com imensos investidores internacionais. Eles sentem-se confortáveis com um cenário de mudança de governo em Portugal, com um possível governo de centro-esquerda socialista, por exemplo?

Os investidores estrangeiros olham sempre para o ambiente político. E de forma ainda mais atenta depois da crise global ter acontecido. Nas democracias, as mudanças de governo acontecem. Penso que os investidores estão a tomar nota das posições dos diferentes partidos. Eles não veem qualquer partido anti-europeu em Portugal. Não veem um género de oposição radical aqui como viram na Grécia, por exemplo, e penso que isso tranquiliza os mercados.

É esse o maior ativo na perspetiva do mercado?

Sim, é um fator positivo quando os investidores avaliam o futuro de um país.

Como avalia a saúde do sector bancário português?

O MEE não está envolvido como outras instituições no acompanhamento do sector bancário, mas após a avaliação completa feita pelo SSM, o supervisor único, em novembro último, a situação parece boa, basicamente. O episódio BES foi uma surpresa desagradável, mas foi gerida com sucesso. E de momento não sei de quaisquer problemas significativos.

Os ativos por impostos diferidos não poderão ser um problema? Pode afetar os maiores bancos do país.

Termos de ver como é que o SSM quer lidar com isso. Não é um problema só de Portugal. Pode afetar Itália, Espanha e outros países. Tem razão: dependendo de como o SSM interpretar isso, poderá haver necessidade adicional de capital, mas não estou envolvido nessas avaliações.