27.4.15

Risco de pobreza e exclusão social aumentou em 2014

Cristina Sambado, RTP

Portugal foi o país da União Europeia em que mais aumentou o risco de pobreza e de exclusão social em 2014, logo seguido da Grécia. Os dados, que constam do Relatório da Crise da Cáritas Europa 2015, a apresentar esta quarta-feira em Lisboa, revelam ainda que passados seis anos desde o início da crise, em 2008, há 25 milhões de desempregados e 120 milhões em risco de pobreza na Europa.

O relatório “O aumento da pobreza e das desigualdades – modelos sociais justos são necessários”, divulgado no passado dia 19 de fevereiro em Itália, sob os auspícios do Conselho Europeu, analisou as taxas de desemprego, os níveis de pobreza e exclusão social, o estado dos serviços públicos, a confiança nas instituições e a coesão social, nos sete países da União Europeia mais atingidos pela crise – Portugal, Chipre, Grécia, Irlanda, Itália, Roménia e Espanha.

O documento, que vai ser apresentado pelo secretário-geral da Cáritas Europa, Jorge Nuño Mayer, destaca que Portugal, com um aumento de 2,1 pontos percentuais, foi o país que teve a maior subida da taxa de risco de pobreza e exclusão social em 2014, seguido da Grécia (1,1 por cento).

“Outro dado revelante é que Portugal, apesar de toda a austeridade e de todos os sacrifícios pedidos, tem a segunda maior dívida pública em comparação com o Produto Interno Bruto (128 por cento) logo a seguir à Grécia (174,9 por cento)”, afirmou à Lusa Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa.

Para o responsável da instituição da Igreja Católica em Portugal, “apesar de ser verdade que em termos macroeconómicos Portugal está a dar sinais de alguma evolução, não se pode de forma alguma descurar estas conclusões analisadas por peritos que comparam estes dados com outros países intervencionados”.
“É preciso assegurar, de uma vez por todas, e sem qualquer preconceito, um rendimento mínimo para todas as pessoas que lhes permita viver com dignidade e reduzir as desigualdades, criando emprego a médio prazo”, frisou Eugénio Fonseca.

Segundo o presidente da Cáritas Portuguesa, “para isso ser possível, a riqueza gerada tem de ser distribuída com justiça e têm de ser criadas condições para um combate eficaz à evasão fiscal, para que haja taxas justas e equilibradas para todos os setores da sociedade e um equilíbrio justo na repartição dos sacrifícios”.

“É preciso tomar conta de toda a população portuguesa, mas temos de dar especial atenção à proteção dos grupos mais vulneráveis”, sublinhou Eugénio Fonseca.
Desempregados sem apoios
“A prolongada crise económica levou à intensificação das dificuldades financeiras das famílias, no primeiro trimestre de 2014, com as de mais baixos rendimentos a sentirem as maiores dificuldades para fazer face às despesas correntes”, lê-se no relatório que adverte ainda para o facto de “um número significativo de pessoas desempregadas não estar abrangido pelas redes de segurança normais, como as prestações de desemprego ou a assistência social”.

Segundo o relatório, “a percentagem de pessoas que não recebe apoio ao rendimento é especialmente elevada na Grécia, Chipre, Itália e Portugal, onde mais de 40 por cento das pessoas vivem em famílias sem (ou quase sem) trabalho e pobres recebem apenas até dez por cento do seu rendimentos em transferências sociais, e em Espanha e na Roménia, onde a percentagem se situa entre os 30 e os 40 por cento”.

Os autores do relatório consideram que “a falta de cobertura destas pessoas sugere a falta do sistema de benefícios para chegar aos mais vulneráveis”.
Um quarto da população em risco
O relatório “O aumento da pobreza e das desigualdades – modelos sociais justos são necessários” refere ainda que a taxa de pobreza ou de exclusão social aumentou de 2008 para 2013 na maior parte dos 28 Estados-membros da União Europeia e atinge 122,5 milhões de pessoas ou 24,5 por cento da população (ou seja, quase uma em cada quatro pessoas).

“As crianças e as famílias foram afetadas de forma desproporcionada pela crise e pelas medidas de austeridade e demasiadas vezes o impacto dessas medidas não foi tido em conta, com serviços frequentemente cortados quando são precisamente necessários, algo que é sobretudo evidente nos países sujeitos a programas de ajustamento”, refere o documento.

Também o “desemprego se mantém historicamente elevado, afetando mais de 25 milhões de pessoas em abril de 2014, o que representa um aumento de quase 8,4 milhões entre 2008 e dezembro de 2013”.

Para a Cáritas “apesar da existência de sinais de crescimento na Europa, ainda não se verificou um aumento significativo de empregos e o problema dos desempregados de longa duração constitui um enorme desafio”.
“Os líderes europeus devem reconhecer que, por si só, a atual orientação […] está a falhar tanto em termos económicos como sociais e é urgentemente necessária uma nova estratégia”, salienta o relatório.
O relatório questiona “a qualidade dos empregos disponíveis, cada vez menos seguros e com o emprego temporário a aumentar”, e considera “pouco provável que uma redução gradual do desemprego seja suficiente para inverter a tendência crescente dos níveis de pobreza”.

O documento sublinha ainda que “os sistemas de proteção social estão sob pressão e há falhas que estão a deixar muitas pessoas em situação miserável, enquanto os cortes nos serviços públicos afetam de forma desproporcionada que tem rendimentos mais baixos”.

“As pessoas que pagam atualmente o peso mais elevado são as que não participaram nas decisões que conduziram à crise e os países mais afetados são os que têm maiores carências nos seus sistemas de proteção social”, frisa.

A Cáritas considera “que a política de dar prioridade à austeridade não está a funcionar” e apela “para que sejam adotadas alternativas”, frisando que “falta encontrar uma solução para a crise das dívidas”, e que “é injusto e insustentável transformar a dívida bancária em dívida soberana”.