5.11.19

Na região grande parte do trabalho agrícola é feito por maiores de 65 anos

O Mirante

Esperança de vida aumentou e já há quem fale em “idosos juniores” e “idosos seniores”.

O país está envelhecido e vai envelhecer ainda mais nas próximas décadas. Para cada 100 jovens (até aos 15 anos) existem actualmente 159 idosos (maiores de 65 anos). Na região os trabalhos no campo são assegurados maioritariamente pelos idosos. O que os move e porque continuam activos foi o que O MIRANTE quis saber a propósito do Dia Mundial da Terceira Idade, que se assinalou a 28 de Outubro.
Gracinda Monteiro, de 80 anos, sempre foi agricultora e diz sorridente que tirou todos os cursos da Cooperativa Agrícola de Torres Novas e Barquinha, organização que em 1951 sucedeu ao Grémio da Lavoura. “Até tenho a carta de tractor e não foi nada fácil”, lembra. Apesar de ter perdido a conta aos anos que descontou para a Segurança Social, a reforma que agora recebe não chega aos 300 euros.
O marido, José Marques, tem mais quatro anos de idade. Trabalhou toda a vida como pedreiro, na região e em Lisboa, mas sempre tratou da horta. Depois da reforma, aos 65 anos, passou a trabalhar mais na agricultura. Vindima, apanha figos e azeitona, faz tudo o que pode para ajudar nas despesas da casa.

O casal vive em Liteiros, Torres Novas, e foi numa fazenda ali perto, já na fronteira com a localidade de Zibreira, que O MIRANTE

os encontrou na apanha da azeitona. José usa uma cadeira de plástico para, de tempos a tempos, dar algum descaso às pernas e às costas. Gracinda mantém-se de pé ou de cócoras quando ensaca a azeitona. Há quatro anos foi-lhe diagnosticado um problema oncológico e ainda anda a fazer tratamentos no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, mas nem com um cateter colocado junto ao ombro direito consegue ficar parada. “A maior pena que levo desta vida é deixar de apanhar azeitona”, confessa.

José Marques usa um tractor para amanhar os seus quatro hectares de terreno. Diz ter consciência da sua perda de faculdades, nomeadamente em termos de destreza, e confessa que quando ouve notícias de acidentes com tractores não fica espantado. “Muitos podiam ser evitados, mas as pessoas mais velhas já não têm a mesma reacção que as mais novas”, lamenta.
As duas filhas do casal vivem e trabalham em Lisboa. “Gostam de vir cá buscar uns garrafões de azeite, mas este trabalho não é para elas, lá estão melhor”, dizem os pais que, para conseguirem fazer todo o trabalho, recorrem à ajuda de mais dois reformados da terra.

Um deles é Vítor Justino. Tem 64 anos e a reforma chegou há cinco quando a fábrica onde trabalhava fechou. Desde aí faz uns biscates. Diz que a reforma até é razoável mas não gosta de estar parado.
Abel Cardoso, de 62 anos, também já está reformado. Pediu a reforma antecipada porque já tinha 48 anos de descontos. Começou a trabalhar aos 14 anos e nunca mais parou. Agora que se reformou, afirma que ainda trabalha mais do que quando era operário numa fábrica de curtumes na Gouxaria, em Alcanena. “Apanho azeitona, faço umas horas nas peles e ainda faço manutenção e trato de cavalos numa quinta em Torres Novas. Por vezes penso que já é trabalho a mais”, conta-nos enquanto endireita as costas debaixo da oliveira.

Em Portugal a agricultura é a principal actividade para pessoas entre 55 e 74 anos
Gracinda e José fazem parte das estatísticas que colocam Portugal entre os países mais envelhecidos do mundo, com 159 idosos para cada 100 jovens. Um cenário que, de acordo com o relatório Ageing Europe 2019, divulgado na semana passada pelo Eurostat, vai agravar-se nas próximas três décadas, altura em que perto de metade da população portuguesa (47,1%) terá 55 ou mais anos.

Segundo o serviço de estatística da União Europeia um dos maiores desafios será segurar a população acima dos 55 anos no mercado de trabalho. A agricultura surge como um dos sectores que emprega maior percentagem de pessoas nesta faixa etária, representando, em 2018, cerca de 30,3% da força de trabalho neste sector. Em sete Estados-membros a agricultura é mesmo a principal actividade para pessoas entre 55 e 74 anos. É o caso de Portugal, onde esta faixa etária representa quase metade (47,5%) do total da força de trabalho agrícola.

No futuro só será considerado idoso quem tiver mais de 75 anos
Teresa Rodrigues, docente no Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, lembra no ensaio “Envelhecimento e Políticas de Saúde”, editado em Setembro de 2018 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que o acelerado declínio populacional em curso decorre, em parte, de um fenómeno muito positivo: o facto de Portugal ser o oitavo país do mundo com maior esperança de vida à nascença.

Para a especialista as consequências do envelhecimento demográfico não têm necessariamente de ser negativas a nível económico e social. A investigadora defende que, tendo em conta o aumento da esperança de vida, haja uma distinção entre “idosos juniores” (dos 65 aos 74 anos) e “idosos seniores” (a partir dos 75 anos), devendo apenas estes últimos ser considerados idosos.
Tendo em conta os ganhos na esperança média de vida, vários países defendem a revisão da fronteira dos 65 anos. Alguns países como o Japão propõem o início da velhice a partir dos 75 anos.

Mulheres vivem mais seis anos do que os homens
Segundo dados de 2017 da Pordata (Base de Dados de Portugal Contemporâneo, organizada e desenvolvida pela Fundação Francisco Manuel dos Santos), a esperança média de vida em Portugal é superior à da União Europeia.
Os homens portugueses vivem, em média, 78,4 anos (os europeus 78,3), e as mulheres 84,6 (a média da União Europeia é de 83,5 anos). Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), após o 65º aniversário, os portugueses vivem apenas mais sete anos com saúde – um número muito inferior aos 16 anos que os suecos gozam de total funcionalidade e autonomia.