11.11.19

Novos passes tiram de casa mais 40 mil idosos

Texto Raquel Albuquerque Foto Tiago Miranda, in Expresso

Preços mais baixos levam a aumento da procura de passes para a terceira idade. Vendas sobem 35% em Lisboa e 56% no Porto. Mas falta melhorar as acessibilidades

Durante muito tempo só iam até onde o passe dava. E não era longe. Mas as fronteiras alargaram-se assim que puderam usar todos os transportes públicos da área metropolitana de Lisboa por 20 euros por mês. Beatriz Lopes Pires, 65 anos, e o marido, de 67, já foram a Setúbal e fazem planos para ir da Margem Sul até Sintra. Também Manuela David, aos 78 anos, deixou de estar limitada a usar transportes só ao sábado e domingo por ser mais barato, para agora apanhar o barco quase todos os dias para Lisboa. “Até já fui à praia da Figueirinha na Arrábida e andei no autocarro descapotável [da TST]. Agora, quando acordo, posso escolher para onde ir.”
Entre o mês de março, antes da entrada em vigor dos novos tarifários de transportes públicos, e o passado mês de setembro, o número de passes vendidos a pessoas acima dos 65 anos disparou. Contam-se agora mais 40 mil idosos a comprar passe nas áreas metropolitanas de Lisboa (AML) e do Porto (AMP). Na Grande Lisboa, o número saltou dos 75 mil títulos vendidos em março para cerca de 101 mil em setembro, o que se traduz numa subida de 35% das vendas, segundo dados da AML enviados ao Expresso. No Grande Porto, a subida foi de 56%, passando de 23 mil para cerca de 36 mil passes da terceira idade, com mais 13 mil novos títulos.

“De acordo com a informação que nos tem chegado através dos operadores, há um crescimento de utilizadores de transporte fora das horas de ponta e ao fim de semana, admitindo-se que muitos sejam utilizadores de passes destinados à terceira idade e reformados ou pensionistas”, admite a AML. Também as comissões de utentes dos transportes identificam essa tendência desde março. “No comboio, ouvem-se histórias de idosos que voltaram a comprar passe e que agora vão a sítios onde antes não iam. O impacto é visível e não é à hora de ponta”, afirma Marco Sargento, da Comissão de Utentes dos Transportes da Margem Sul. Cecília Sales, representante dos utentes de transportes de Lisboa, sublinha o impacto social. “É uma forma de quebrar o isolamento. Mas é preciso garantir que os transportes dão resposta à procura, caso contrário perde-se esta oportunidade.”

Manter contacto social
Ainda antes da entrada em vigor dos novos tarifários dos transportes públicos, a 1 de abril, no âmbito do PART (Programa de Apoio à Redução do Tarifário dos Transportes Públicos), os especialistas em mobilidade urbana já anteviam um aumento significativo dos passes para a terceira idade. Sabia-se que o preço era um obstáculo, até porque os cortes nos descontos dos passes durante o período da crise afastaram cerca de 40 mil idosos dos transportes públicos de Lisboa. Agora, os passes para a terceira idade correspondem a 14% dos títulos vendidos na AML e a 17% na AMP.

“Os que não usavam transportes devido ao preço do passe passaram a poder fazê-lo e isso tem um impacto muito grande no aumento de participação social dos idosos, na melhoria da sua qualidade de vida, nos níveis de atividade física, além de lhes permitir manter o contacto social, combatendo a solidão”, afirma Pedro Moura Ferreira, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. “Os passes mais baratos permitem às pessoas usufruir da oferta cultural ou de lazer e melhorar o acesso a serviços públicos como os cuidados de saúde.”

O efeito que a possibilidade de sair de casa e deslocar-se de forma autónoma tem na saúde física e mental é direto. “Uma pessoa idosa que deixe de conduzir ou não consiga deslocar-se de transportes tem uma probabilidade de desenvolver sintomas depressivos num intervalo de um a dois anos”, aponta Miguel Padeiro, professor na Universidade de Coimbra e coordenador do Grampcity, um projeto de investigação sobre a mobilidade urbana dos idosos e que envolve quatro universidades portuguesas.“Sair de casa permite adiar o declínio progressivo resultante da idade.”

Margarida David, que vive sozinha em Almada, admite que o passe lhe trouxe liberdade. “Antes, se quisesse ir de Almada para Setúbal, eram cerca de 10 euros, ida e volta. Se eu fosse pagar isso para lá ir, já não almoçava. Agora posso ir e almoçar. E deixei de ter de andar sempre nos mesmos sítios.” Beatriz Lopes aponta outra vantagem. “Andar com os miúdos nos transportes era uma despesa acrescida. Para ir buscar a minha neta à escola pagava por ela um bilhete como se fosse adulta. Agora não pago nada.”

Só na Grande Lisboa, foram pedidos cerca de 93 mil passes para crianças com menos de 13 anos. Estes títulos são gratuitos e só têm de ser pedidos uma única vez, ficando ativos até à véspera de a criança completar a idade limite.

Falta fazer mais
Só que não basta baixar o preço dos passes para melhorar a mobilidade das pessoas mais velhas. “É preciso assegurar uma resposta adequada da oferta de transportes e das acessibilidades. Até pode haver uma boa rede num determinado local, mas as pessoas não conseguem usar os transportes porque faltam acessos, seja a distância até à paragem de autocarro, a ausência de bancos na paragem ou a proteção contra a chuva”, alerta o investigador Miguel Padeiro. “Se houver realmente vontade de apostar na mobilidade para a população idosa é preciso aumentar a oferta de transporte a pedido, ou seja, porta a porta. E olhar mais para a mobilidade pedonal, melhorar o espaço público, colocar mais bancos, instalações sanitárias e sombras”, acrescenta.

Desde que os novos tarifários entraram em vigor, o número de utilizadores dos transportes públicos tem subido, assim como também têm aumentado as queixas devido à falta de resposta dos transportes. Contam-se agora mais 150 mil passageiros na Grande Lisboa e cerca de 60 mil no Porto.

“Estas mudanças nos transportes foram boas, mas deveriam ter começado pelo reforço da oferta de transportes. A situação com os barcos da travessia do Tejo é muito preocupante. E o aumento da resposta nos comboios da ponte não é suficiente”, alerta Marco Sargento, da comissão de utentes da Margem Sul. Já os utilizadores das carreiras entre Mafra e Lisboa subscreveram no início deste mês uma petição contra autocarros lotados, pedindo reforço da oferta. O mesmo acontece no Grande Porto, com as queixas a multiplicarem-se por falta de lugares nos autocarros e no Metro à hora de ponta. “Para garantir que a procura se mantém, é essencial dar resposta à oferta”, afirma Marco Sargento.

NÚMEROS

€20
é o preço do passe Navegante +65, para usar os transportes das áreas metropolitanas de Lisboa ou Porto. É vendido a quem tem mais de 65 anos ou a reformados e pensionistas com um rendimento do agregado familiar igual ou inferior ao salário mínimo

1198
pessoas já assinaram a petição contra os autocarros lotados nas carreiras entre Mafra e Lisboa, pedindo reforço da oferta. Os utentes queixam-se de ver passar vários autocarros seguidos sem conseguirem entrar