28.11.19

Por que há mais trabalhadores pobres? São precários e mal pagos

Ana Cristina Pereira, in Público on-line

Percentagem da população empregada em situação de pobreza recuou a valores de 2016. Um em cada dez trabalhadores está abaixo do limiar da pobreza, traçado nos 501 euros por mês

A taxa de pobreza relativa manteve a tendência de descida no ano passado, mas não entre quem trabalha. Aí, a população empregada até deu dois passos atrás: recuou ao valor de 2016. O que fez subir o número de trabalhadores pobres? E que pobreza foi essa que diminuiu, afinal?

O balanço resulta do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) esta terça-feira. Concerne a um período de crescimento económico, com taxas de desemprego historicamente baixas (7% em 2018).

Carlos Farinha Rodrigues, um dos grandes estudiosos da pobreza e da desigualdade, começa por apontar uma explicação positiva: o rendimento nacional mediano “cresceu 7,2% em termos nominais e 6,2% em termos reais” entre 2017 e 2018. E isso “tem consequências imediatas no limiar do risco de pobreza”, que corresponde a 60% do rendimento mediano por adulto equivalente.

Na prática, a linha de pobreza era traçada nos 468 euros por mês e passou a sê-lo nos 501 euros. “Uma pessoa que ganha 480 euros não era considerada pobre em 2017, mas em 2018 já é”, exemplifica aquele professor do Instituto Superior de Economia e Gestão. “A linha que separa os pobres dos não pobres subiu. Apesar disso, a taxa de pobreza do conjunto da população diminuiu 0,1%.

Salários muito baixos
Sérgio Aires, sociólogo especializado em pobreza que já foi presidente da EAPN – Rede Europeia Antipobreza e director do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, olha para os cálculos sobre trabalhadores pobres, que foram sendo publicados pelo INE ao longo da última década, e repara nos dois passos atrás: 10,3% (2010) 9,9% (2011) 10,5% (2012) 10,7% (2013), 10,9% (2014) 10,9% (2015) 10,8% (2016) 9,7% (2017) 10,8% (2018).

O fenómeno dos trabalhadores pobres, como diz Renato Miguel do Carmo, professor do Instituto Universitário de Lisboa e director do Observatório das Desigualdades, “é persistente”. E a razão maior não oferece mistério: “Temos salários muito baixos.”

Apesar dos aumentos verificados nos últimos anos, o salário mínimo permanece abaixo da média da União Europeia. A diferença entre o salário médio e o salário mínimo em Portugal é uma das mais baixas do espaço comunitário. E é estreita a diferença entre o salário mínimo e o limiar da pobreza. Em 2018, ficava-se pelos 80 euros.

Para lá do baixo valor dos salários, há a natureza dos vínculos contratuais. “A precariedade aumentou bastante em alguns sectores”, salienta Renato do Carmo. Os relatórios internacionais tendem a realçar a hotelaria, a restauração e a construção, mas o leque é cada vez mais diverso. “Há fenómenos novos que acabaram por reforçar tendências antigas”.

As estatísticas estão aí para o comprovar. No primeiro trimestre deste ano, os trabalhadores com contrato a termo e os trabalhadores noutras situações precárias representam 21,3% do total. Não muito diferente do que se encontra recuando até ao primeiro trimestre de 2011: 21,9%.

Ao mesmo tempo, a taxa de pobreza relativa subiu ainda mais entre a população de desempregados, fortalecendo uma tendência que vinha praticamente desde que o desemprego começou a descer: 36,9 em 2010, 38,3 em 2011, 40,3 em 2012, 40,4 em 2013, 42,0 em 2014, 42,0% em 2015, 44,8 em 2016, 45,7% em 2017, 47,5% em 2018.

É a mais elevada percentagem de desempregados em situação de pobreza desta década que agora termina. “Em cada dois desempregados, um é pobre”, arredonda Carlos Farinha Rodrigues.
Há que entender que o universo de desempregados encolheu, como lembra Renato do Carmo. O número de desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) atingiu em Setembro deste ano o valor mais baixo deste século (301,3 mil). Para encontrar um número mais baixo (297 mil) é preciso retroceder até Dezembro de 1991. “Os desempregados que subsistem são os que têm maior dificuldade em inserir-se no mercado de trabalho”, menciona. Para estes, ainda não chegaram os efeitos da recuperação económica e do crescimento de rendimentos. “É um indicador muito claro de que as políticas públicas devem prestar uma atenção particular a estas pessoas”, avisa Farinha Rodrigues.

Dar a cara pela pobreza. “Tenho deficiência, sou mulata, desempregada, mãe solteira. Querem mais?”
Houve um esforço para aumentar a cobertura das prestações de desemprego. Segundo o Instituto do Emprego e Formação Profissional, a taxa tem vindo a manter-se acima dos 50% desde Maio de 2018. Aumentou nove pontos percentuais desde o início do primeiro governo liderado por António Costa (para 55,7%). Ainda assim, como lembra Sérgio Aires, muitos ficam de fora.

Dois terços dos desempregados sem protecção
Num comunicado que emitiu esta terça-feira, a CGTP-IN salienta que “mais de dois terços dos desempregados não têm prestações de desemprego devido à precariedade ou ao esgotamento das prestações”. E que os que as têm “não ultrapassam os 497 euros em termos médios, um valor inferior ao limiar de pobreza”. Defende não só um aumento de salários, mas também um reforço da “protecção social e da abrangência no montante dos subsídios”. Reclama combate à precariedade e ao desemprego e a promoção de políticas de desenvolvimento.

Taxa de pobreza e exclusão baixou e Portugal alcançou média da União Europeia
“Estar empregado ou não é uma característica individual, mas ser pobre ou não depende muito da família em que se está inserido”, diz Carlos Farinha Rodrigues. As prestações sociais também fazem muita diferença.
Se a pobreza está a aumentar entre empregados e desempregados, onde é que está a diminuir? Nos reformados (15,7% para 15,5%) e nas crianças e jovens com menos de 18 anos (19% para 18,5%). “A pobreza que diminui é a dos ‘colchões’, ou seja, a da parca protecção social”, comenta Sérgio Aires, numa alusão ao abono de família e ao complemento solidário para idosos. “Diminui a que recebe remendos do Estado que podem ser interrompidos a qualquer momento.”