27.3.20

Banco de Portugal avisa: País a caminho da pior recessão anual de que há registo

in DN

Destruição de emprego pode ser a mais cavada de que há registo, investimento ficará de rastos, hecatombe nas exportações assumirá proporções nunca vistas, ampliadas pelo colapso no turismo.

economia portuguesa pode mergulhar, neste ano, na pior recessão alguma vez registada, sinalizou ontem o Banco de Portugal (BdP), a primeira instituição oficial a fazer projeções económicas já incorporando a dimensão de crise do coronavírus. É o "cenário adverso", mas que não pode ser de todo excluído, uma vez que a destruição provocada pela pandemia pode ser muito mais ampla no tempo e no espaço e trazer consigo uma eventual tempestade financeira, considera o BdP.

O colapso previsto de 5,7% na atividade económica real (cenário mais grave para 2020) traz consigo más notícias em toda a linha. A destruição de emprego vai ser a mais cavada de que há registo, o investimento ficará de rastos, a hecatombe nas exportações será também a mais aguda das séries. O banco central avisa que o turismo será das atividades mais afetadas; no tecido empresarial, os pequenos negócios serão os mais penalizados, como é costume sempre que há crises e recessões.

O Banco de Portugal fez dois cenários: um de "base", menos destrutivo porque a crise dura menos tempo e as metástases são mais curtas; e outro dito "adverso", como referido.

Resumindo: a economia portuguesa arrisca uma grave recessão neste ano que pode ir de uma quebra de 3,7% a um colapso de 5,7%, projeta o Banco de Portugal, no novo boletim económico de março, divulgado nesta quinta-feira. O nível de desemprego deve regressar para valores claramente acima dos 10% em ambos os cenários traçados.

"A pandemia corresponde a um choque económico adverso com efeitos muito significativos e potencialmente prolongados no tempo em termos do bem-estar dos cidadãos e da atividade das empresas."

Assim, os economistas do banco governado por Carlos Costa avisam que mesmo os dois cenários obtidos não estão garantidos por causa da total incerteza que ensombra os próximos meses. "A incerteza exacerbada e a complexidade que caracterizam este exercício de projeção implicam que não seja possível apresentar um cenário mais provável para a evolução da economia portuguesa." O pior pode muito bem acontecer, avisa.

A economia portuguesa arrisca uma grave recessão neste ano que pode ir de uma quebra de 3,7% a um colapso de 5,7%.

As projeções (as piores e as menos más) até já integram os efeitos de algumas medidas públicas de suporte e de defesa da economia, "procuram ter em consideração o potencial impacto das políticas adotadas pelas autoridades nacionais e europeias em face do choque".

Vai ser sempre mau
No cenário-base, menos agreste, em que as ajudas e os apoios públicos têm um efeito quase imediato no tecido económico e no mercado laboral, a economia afunda 3,7% em termos reais, neste ano. Antes deste boletim e desta crise o BdP projetava um crescimento de 1,7% em 2020.

Aqui, o BdP assume que "o impacto económico da pandemia é relativamente limitado, o que decorre, em parte, da hipótese de que as medidas adotadas pelas autoridades económicas são bem-sucedidas na contenção dos danos sobre a economia".

O emprego recua 3,5% e a taxa de desemprego sobe para 10,1% da população ativa em 2020. "Refira-se que a evolução projetada para o desemprego depende crucialmente da configuração e da magnitude das medidas de política que possam ser implementadas de imediato", acrescenta o banco central.

O consumo das famílias afundará 2,8%, o investimento colapsa 10,8% e as exportações afundam mais de 12%. As importações também devem cair quase 12%.

Cenário adverso, o pior até agora
No cenário mais adverso, a paralisação da atividade é "mais prolongada" em vários países, Portugal incluído, o que levará "a maior destruição de capital e perda de emprego".

O banco aqui também conta com "níveis de turbulência mais significativos nos mercados financeiros". Uma tempestade que pode estar a formar-se agora e rebentar mais tarde.


A recessão "mais profunda" traduz-se numa contração de 5,7% em 2020. Será o maior colapso da economia portuguesa num ano, tendo em conta as séries históricas do Instituto Nacional de Estatística e da Comissão Europeia, que remontam a 1960.

"A taxa de desemprego aumenta mais marcadamente em 2020, para 11,7%." Se assim for estamos a falar do pior registo desde 2015, ainda o desemprego estava a descer do pico, atingido em 2012 (ajustamento da troika).

Se o emprego cair 5,2%, como projeta o BdP no cenário adverso, significa que teremos a maior destruição laboral de que há registos, desde 1960.

O Banco de Portugal expõe as vulnerabilidades concretas do país por causa do perfil da economia.

O consumo privado pode diminuir 4,8% em 2020, até porque a queda do emprego é maior, o desemprego muito superior e as condições financeiras "mais desfavoráveis".


Neste cenário adverso, o investimento colapsa 14,9% em 2020 em relação ao ano passado e assume-se que o mundo entra em recessão. Pior do que isto só em 2012, quando o investimento (fixo) afundou 16,7% (o segundo ano do ajustamento do governo PSD-CDS e da troika).

Neste quadro "de colapso do comércio mundial, a procura externa dirigida à economia portuguesa reduz-se mais significativamente e determina uma queda de cerca de 19,1% das exportações de bens e serviços em 2020". Uma vez mais, esta será a maior quebra das séries longas analisadas. As importações afundam 18,7%.

O Banco de Portugal expõe as vulnerabilidades concretas do país por causa do perfil da economia, muito apoiada no turismo. "A importância do setor do turismo na atividade económica implica uma elevada exposição à redução esperada da procura global deste tipo de serviços, que será muito significativa."

Além disso, um choque desta dimensão "coloca também dificuldades acrescidas ao tecido empresarial, dominado por empresas de pequena dimensão e com situação financeira relativamente frágil".

"Finalmente, a elevada percentagem de famílias perto ou abaixo do limiar de pobreza em Portugal implica uma reduzida margem de absorção do choque perspetivado sobre o rendimento", conclui o banco central, no novo boletim económico.