28.4.23

Trabalhar dentro do prazo de longevidade

in Expresso



Emprego: começar um negócio depois dos 50 anos não é tarefa fácil. Há poucos incentivos no sector público, mas no privado existem associações que dão apoio ao empreendedorismo sénior. Para quem arrisca, a idade da reforma é apenas um número


Depois de 30 anos a trabalhar na filial portuguesa de uma empresa internacional, a colombiana Blanca Silva foi despedida juntamente com 24 colegas, todos altos quadros, bem remunerados. Aos 53 anos aconteceu o impensável: estava inscrita no IEFP, a receber subsídio de desemprego. Desassossegada por natureza, foi através de uma formação para criação do próprio emprego que arriscou tudo: solicitou o valor antecipado dos três anos das prestações de desemprego para abrir a empresa com que sonhava desde miúda. Oriunda de uma família de empreendedores, apostou tudo no café. “Visitei quintas que conhecia desde criança na Colômbia e decidi trazer o negócio para Portugal.”

Iniciar um negócio quando se está perto da reforma implica, entre várias coisas, disponibilidade mental, física e capital. O chamado trabalho sénior é um problema diagnosticado em Portugal. Ainda recentemente, há três anos, o Governo decidiu implementar um programa de pré-reforma, para “refrescar” os seus quadros. E quando o exemplo vem de cima, poucas são as empresas capazes de reter o talento dos seus funcionários que não querem passar à reforma, “tornando-se socialmente inúteis de um dia para o outro”, como diz Nuno Marques, presidente do Observatório Nacional do Envelhecimento. Existem, no entanto, exceções, pessoas que decidem recomeçar quando o tempo lhes parece fugir. É assim que conseguem fintar os problemas normalmente associados ao envelhecimento, como a degeneração cognitiva, o isolamento e as dificuldades financeiras.

Foi isso que Blanca fez: meteu-se num avião para a Colômbia já com a ideia de criar uma marca de café que não existia em Portugal. “Não queria apenas ganhar dinheiro. Quis montar um negócio que fosse bom para os agricultores colombianos. Percebi que uma chávena de café na Europa, faz uma família na Colômbia”, conta a fundadora dos Nena Selected Coffee, assim batizado por ser o nome que lhe chamavam desde criança.

“Capital de experiência não está valorizado”

É destes casos que Portugal poderá vir a contrariar uma estatística demográfica que parece irredutível: atualmente existem 2,1 milhões de portugueses com mais de 65 anos, com uma população ativa, entre os 20 e os 64 anos, de pouco mais de 6 milhões. Problema: com a transição demográfica e o envelhecimento galopante, estima-se uma redução de um terço das pessoas que trabalham, dentro de 40 anos.

“Uma das áreas que estamos agora a pensar é de como podemos promover uma transição mais suave do mercado de trabalho para a vida inativa. Como sabemos, isso é gerador de grandes problemas. Temos refletido e queremos trabalhar como modelo das organizações, do ponto de vista do empregador. Porque o capital de experiência não está valorizado”, disse ao Expresso o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes. “Prevemos uma diminuição do tempo trabalhado e uma alteração do perfil das próprias funções. É um trabalho de estudo que estamos a iniciar. Há aqui um conjunto de pessoas, com quem todos temos a ganhar, se puderem fazer a transição de uma forma menos abrupta, valorizando a experiência e o capital humano. Não é porque uma pessoa passou à reforma que se torna socialmente inútil. Há um conjunto de atividades — e aqui não se inclui o voluntariado — que podem ter algum enquadramento profissional. Mas isso é tudo novo, a lei é muito rígida, ou tem rendimentos de trabalho ou da pensão de reforma. É isto que temos em cima da mesa, equacionar uma política que favoreça o envelhecimento ativo.”

Sonhos sem prazo

Blanca associou-se a um empresário francês para vender o seu café no Delikaffe, um espaço situado na Avenida de Roma, em Lisboa. É dali que sai o seu arábica, com pouca torra ou verde, para clientes e empresas de cafetaria. “Estou lá há três meses. Antes de chegar, vendia-se apenas cafés comerciais. Abri também um site para vender kombucha, uma bebida feita a partir de chá preto ou verde, com polpa de fruta e que não precisa de açúcar”, conta. Mas o processo não foi simples: recebeu o adiantamento de €25 mil do IEFP “com a sensação de ter uma guilhotina na cabeça”. “Não posso considerar um apoio, mas um empurrão. O valor é um sopro para o primeiro trimestre. Se corresse mal, azar”, diz a colombiana a viver em Portugal desde 1989. A idade teve peso na ideia de negócio? “No meu país de origem a idade não significa nada: se surge uma oportunidade, nem se pergunta.”

Esta é também a filosofia da Fundação AEP, que esta semana organizou uma conferência precisamente sobre o empreendedorismo sénior. “A transição demográfica deve fazer-nos pensar em formas de aproveitar a experiência de pessoas que já têm muitos anos de trabalho e que podem dar das suas capacidades. Hoje as pessoas vivem mais anos e com mais qualidade de vida, chegam aos 60 com uma vitalidade que não existia”, afirmou o presidente da fundação, Luís Miguel Ribeiro. O objetivo do evento era sobretudo a partilha de experiências entre empreendedores jovens e seniores. “É uma resposta aos desafios colocados pela transição demográfica e um desafio aos decisores políticos para olharem para esta questão do trabalho sénior.”

Conceição Pinto, ex-professora primária, já era uma sénior quando decidiu abandonar o ensino para seguir uma vocação de família. Filha de um alfaiate, dedicou mais de 30 anos à escola primária, até que decidiu abrir uma loja de roupa, muito ao estilo dos velhinhos pronto a vestir. “Tinha 55 anos quando decidi mudar radicalmente de vida. Não foi uma mera questão financeira, foi mesmo a concretização de um sonho. Costumo dizer ao meu marido que os sonhos não têm prazo de validade. Sem vaidade, acho que sou a prova disso.”.

P&R
Existem incentivos públicos ou privados ao empreendedorismo sénior?

Sim. No sector público estes incentivos estão disponíveis no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), numa lógica de criação do próprio emprego, apenas para quem se encontra inscrito ou beneficie de subsídio de desemprego. Entidades privadas, como a Fundação AEP, também dão apoio ao empreendedorismo sénior.
Quais os financiamentos disponíveis para a criação de uma empresa depois dos 50?

O financiamento bancário é sempre uma possibilidade, embora a idade seja um fator negativo a ter em conta para quem quer ser um empreendedor sénior. No sector público, o IEFP disponibiliza o Programa Nacional de Microcrédito, para financiar projetos com investimento e financiamento de pequeno montante, mas é dada prioridade aos beneficiários com idades entre os 16 e os 34 anos.


O Centro de Competências para o Envelhecimento Ativo e Saudável contribuirá para mais empreendedorismo sénior?



Embora não esteja limitado a uma idade em particular, o projeto do Governo pretende recrutar sobretudo profissionais ligados à área da saúde — como cuidadores informais ou auxiliares — para reverter o desemprego e voltarem à vida ativa.
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É preciso investir na literacia dos médicos para uso da tecnologia. Portugal tem uma taxa de fertilidade insuficiente para renovar gerações. E já existem receitas de ginástica e dança

Inovação Hoje existe tecnologia para prever as doenças que vamos ter ao longo da vida. A comunidade científica internacional tem feito uma enorme aposta nas áreas da biotecnologia e biomedicina. O problema é fazer chegar a inovação aos hospitais e médicos.

Fertilidade Apesar do aumento da esperança de vida, Portugal é dos países com menor taxa de fertilidade. Segundo dados da ONU, o valor de 1,4 é insuficiente para substituir gerações. 23% dos portugueses têm mais de 65 anos e 38% estão na faixa etária entre os zero e os 24 anos.

Ginástica é um dos fatores que melhora a saúde. A prescrição social chegou a Portugal em 2018 para aumentar a qualidade de vida e o bem-estar. Como? Através de receitas para dançar e fazer ginástica.

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Longevidade

É o ano dois do projeto que o Expresso lançou em 2022, com o apoio da Fidelidade e da Novartis. Durante o ano vamos olhar para os desafios da longevidade que se colocam às pessoas, às comunidades, às empresas e ao Estado. Agora que vamos viver mais anos, a meta é chegarmos novos a velhos.

Textos originalmente publicados no Expresso de 28 de abril de 2023