21.4.23

Alunos do 2.º ano são demasiado novos para provas em computador, alertam pais e professores

Clara Viana, in Público



Provas de aferição serão em formato electrónico. Já há apelos para que pais não levem filhos a realizar estas provas. Iave refere que aqueles que já experimentaram saíram-se bem.


“Professora, como se coloca o acento? Professora, onde faço a maiúscula?”. Estas e outras perguntas do género começaram a chover na sala de aula de Andreia Araújo, docente do 2.º ano de escolaridade, quando no período passado sentou os alunos frente aos computadores para treinarem as provas de aferição marcadas para Maio, que este ano serão em formato electrónico para todos os alunos do ensino básico que as realizam.

As perguntas que os seus alunos colocaram são demonstrativas daquilo que Andreia Araújo antecipa como uma das principais dificuldades que terão: a escrita em teclado. No 2.º ano de escolaridade os alunos têm entre sete e oito anos. Estão ainda “a desenvolver as competências de leitura e de escrita”, sendo que nesta última o que se “treina em sala de aula é a caligrafia”. Mas nas provas de aferição vão ser obrigados a passar deste estágio para “a escrita em letra impressa”.


“Só a busca de cada uma das letras e acentos exige que tenham tempo e o tempo de duração das provas de aferição é curto”, alerta. As provas em formato digital misturam conteúdos de duas disciplinas: Português e Estudo do Meio e Matemática e Estudo do Meio. Têm uma duração total de 90 minutos, com 20 de intervalo no meio.

Em resposta ao PÚBLICO, o presidente do Instituto de Avaliação Educativa (Iave, responsável pela elaboração e classificação das provas), Luís Santos, relata o que aconteceu no projecto-piloto desenvolvido no ano passado com o objectivo de testar a realização das provas de aferição em computador, “que envolveu cerca de 6 mil alunos dos 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade”: “Houve uma “preocupação, partilhada com as escolas que participaram numa reunião prévia do projecto-piloto, relativamente à previsível maior dificuldade dos alunos do 2.º ano em responder ao item de escrita (em virtude de terem que utilizar o teclado do computador para responder, circunstância a que não estariam habituados”.

“Contudo, da análise dos dados específicos deste item não se registaram igualmente diferenças significativas entre o modo papel e o modo electrónico, nem do ponto de vista da qualidade da produção escrita nem do ponto de vista do tamanho dos textos”, refere Luís Santos para acrescentar que “as escolas da amostra reportaram que se no início das provas os alunos manifestavam algumas reticências na utilização do teclado, estas foram-se dissipando com o decorrer das mesmas.”

Andreia Araújo, que é professora do 1.º ciclo há 14 anos, aponta também outros problemas: devido à sua idade precoce, os alunos do 2.º ano têm pouca autonomia, para ligar o computador precisam de ajuda, e há um domínio motor que é necessário para arrastar itens para as respostas correctas que pode ainda estar pouco desenvolvido. “Não são os seus conhecimentos que vão ser testados, mas sim as suas competências digitais” e tudo isto “é bastante prematuro”, salienta.

Tempo curto causa "frustração"

O presidente do Iave contrapõe de novo com os resultados do projecto-piloto nos vários itens analisados, além da escrita: “Da análise dos resultados obtidos no 2.º ano de escolaridade verificou-se, através de um estudo realizado no âmbito de uma investigação académica, que os desempenhos – embora ligeiramente superiores no suporte papel – não diferiam de forma significativa, em regra, dos desempenhos evidenciados nas provas electrónicas, nas várias disciplinas.”

Tânia Correia, psicóloga, tem uma filha no 2.º ano de escolaridade. Conta que em reunião de família, pais e filha, decidiram os três que não faria as provas de aferição, cuja realização é facultativa. Esta foi uma ideia que se começou a cimentar no dia em que a sua filha trouxe como TPC “o treino de uma prova de aferição na escola virtual”. “Terminou a tarde completamente frustrada”, relata Tânia Correia na sua página de facebook

E porquê? “A dada altura percebeu que ainda faltavam imensas perguntas e que o tempo não iria chegar. Não se trata de um teste de ‘verdadeiro ou falso’, várias questões exigem que a criança escreva como chegou à resposta o que, no caso da matemática, implica explicar os vários cálculos e o seu motivo”.
Alunos sem computador

Nuno Silva é professor do 2.º ano numa escola TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), um programa destinado a escolas que se localizam em zonas económica e socialmente desfavorecidos, marcadas pela pobreza e exclusão social. Tem 22 alunos, mas só seis dispõem de computador. E na sala de aula não têm acesso à internet.

“Não se pode comparar esta realidade com a de contextos educativos mais favorecidos em que os alunos, pelos meios que têm em casa e na escola, se encontram melhor preparados para estas provas”, desabafa este docente, contrapondo que os seus alunos estão “pouco à vontade com o digital”.

Conta também que para muitos pais destes alunos o que importa mesmo “é saber se vão conseguir ter comida na mesa”. “Não se consegue desenvolver aprendizagens de leitura, escrita ou cálculo quando fala o básico”, prossegue para salientar que, devido a estas várias razões, os seus alunos estão “prejudicados à partida”.

A psicóloga Tânia Correia diz que tem recebido o apoio de muitos pais e professores às mensagens que tem publicado, onde especifica, por exemplo, que nestas provas o ritmo das crianças “é desrespeitado (o tempo é ridiculamente curto para a quantidade de exercícios)”, que serão feitas “através de meios que não são familiares para a criança e com um grau de exigência desajustado (os exercícios são muito difíceis e ainda pedem às crianças que justifiquem as respostas: não levar os nossos filhos no dia das provas de aferição para que haja uma “abstenção em massa”.

E qual a razão para fazer as provas em formato electrónico? “A transição digital comporta um conjunto de vantagens para o processo avaliativo, tanto técnicas como ao nível da aquisição de competências e da sua sustentabilidade, face à avaliação em suporte papel, para além de favorecer a necessária e gradual familiarização dos alunos com os ambientes digitais e a utilização de recursos digitais”, explica o presidente do Iave.