24.4.23

Esta freguesia de Braga quer fazer despertar a cultura pondo crianças a fazer teatro

Pedro Manuel Magalhães e Nelson Garrido, in Público




A União de Freguesias de Nogueira, Fraião e Lamaçães decidiu criar oficinas de teatro, destinadas a crianças, para “fazer cultura”. O objectivo é constituir um grupo de teatro infanto-juvenil.



A ireverência característica dos imberbes espraia-se pelo auditório da sede da freguesia de Nogueira, em Braga. É terça-feira, são 10 da manhã, e Beatriz, a adulta da sala, rodeada por 18 crianças, vai tentando explicar, ainda nas escadas antes de subir ao palco, o que se seguirá. O rebuliço rapidamente dá lugar à quietude, uma vez que o desafio de hoje requer concentração. Serão realizados exercícios para estimular a memória, essencial para quem faz teatro.

As 18 crianças estão numa de duas oficinas de teatro desenvolvidas pela união de freguesias de Nogueira, Fraião e Lamaçães, território que pretende alimentar a população com criação artística da casa com os da casa. A começar pelo teatro e pelas crianças.

A freguesia com perto de 15 mil habitantes mudou de rumo nas eleições autárquicas de Setembro de 2021 com a eleição de José Pinto de Matos (PS). A intenção passou, desde logo, por “reanimar a freguesia no que respeita à dinâmica cultural”, explica Susana Leite, secretária da junta e mentora do projecto das oficinas. O trabalho começou através da implementação de um programa cultural de “diferentes domínios artísticos, como as artes visuais e a música”, mas cedo se entendeu que não se podia focar “apenas no aspecto fruitivo, de levar espectáculos às pessoas”. Era urgente “fazer cultura”.

E para o contributo de uma “democracia cultural”, a freguesia decidiu começar pelos mais novos. “No momento em que tomamos a consciência de que somos agentes culturais, de colocarmos os próprios fregueses a criar, achamos que o melhor ponto de partida seriam as crianças”, enfatiza.

O contacto dos mais novos da freguesia com a cultura já se dá desde o pré-escolar. No período fora do horário escolar, a junta recebe, através da competência delegada de apoio à família, alunos do pré-escolar do 1º ciclo das escolas e dá-lhes uma “educação integral”, que “não fecha as crianças numa sala de aula”, sinaliza José Pinto de Matos. “Desenvolvemos actividades, particularmente nas férias – porque no período escolar há uma mudança constante de crianças -, ao nível da pintura, do teatro, de contactos com escritores e visitas ao património”, assinala José Pinto de Matos. As acções, garante o autarca, “sextuplicaram o número de crianças”, em relação ao passado, que ficam à guarida da freguesia no período não lectivo.

A procura exortou a freguesia a alargar o espectro e a incluir idades mais avançadas. “Queríamos avançar para algo mais profundo, daí surgiu a ideia de avançarmos para um projecto de teatro para as faixas etárias dos 2º e 3º ciclos, apesar de a junta não ter, para essas idades competência delegada”.

As ferramentas que o teatro dá

Em Fevereiro passado, a freguesia decidiu dar início à criação de oficinas de teatro. E porquê o teatro? “O teatro surge porque temos a consciência de que a formação deve ser integral: o jovem não deve ser só conhecimento, deve ter outro tipo de competências. O teatro é uma modalidade em que todos os códigos sociais e culturais se juntam”, explica o autarca. Mas logo se constituíram dois problemas: onde recrutar interessados, encontrar financiamento e formadores. As respostas foram encontradas no território. A freguesia estabeleceu parceria para a formação com a academia de teatro Tin.bra, da qual Beatriz Neri, a formadora, faz parte, e com os agrupamentos de escolas da freguesia, Alberto Sampaio e D. Maria II – que integram o Plano Nacional das Artes -, e deslindou o financiamento com a empresa dst group, conhecido mecenas cultural da cidade.

As candidaturas abriram e em pouco mais de um mês inscreveram-se 54 crianças, dos 11 aos 15 anos. Estão divididas por duas oficinas: a de Lamaçães, com 35, e a de Nogueira, com 19. Começaram em meados de Março e decorrem às terças-feiras. Terão a duração de um ano, abrangendo dois anos lectivos, o actual e o seguinte.

A inscrição foi gratuita, para “não deixar ninguém de fora”. A união de freguesias, analisa José Pinto de Matos, está dividida por “zonas com gente de classe média-alta, e por zonas mais rurais, com classes mais baixas”. Mas, além da classe, as oficinas querem incluir através do fomento da sociabilização.

“O principal é conviver com os colegas”

No auditório da junta, em palco, as crianças vão realizando o exercício da fotografia. O formando é desafiado a olhar para a posição dos colegas, a fechar os olhos, e depois a identificar quem é que abandona o palco. “Alguém desaparece e eles têm de se lembrar. É bem mais difícil do que parece. Puxa à concentração e à memória”, explica Beatriz.

A formadora, de 22 anos, trabalha com crianças dos 6 aos 10 anos desde o ano passado, mas só agora contacta com crianças de idades mais avançadas. “Dá para fazer mais coisas, os horizontes são maiores”, admite, além de estarem naquele “limbo entre o quererem ser mais do que crianças, mas ainda o são”. A concentração, essa, é que “por vezes” é mais difícil de limar.

Mas o mais importante, nota, é o “papel de sociabilização” que as aulas acarretam. “A minha prioridade, mais do que as ferramentas teatrais, é dar-lhes mais auto-estima, estarem mais à-vontade com eles mesmos”, sublinha. E a incluírem.

“Temos um menino indiano, que está em Braga há dois meses, que não fala bem português e os outros são muito pacientes com ele. Já conhece alguns colegas, e formou amizades através dos gestos. É algo que incentivo muito: deixarem a palavra para trás e expressarem-se pelo corpo”.

No final da aula, Maria, de 11 anos, da escola EB2/3 de Nogueira, desvenda-nos que o seu sonho “é ser actriz”. O de Rodrigo, de 12 anos, também. Surpreende a desenvoltura dos alunos, que vislumbram nas oficinas a possibilidade de aprender para um dia “ter uma carreira”. Mas ambos enaltecem o contacto com o outro. “O principal é conviver com os colegas”, diz Maria. “Vim para me socializar melhor e porque gosto de conhecer novas pessoas”, corrobora Rodrigo.

São exemplos de como o teatro está cheio de virtudes, enumera o director do agrupamento de escolas Alberto Sampaio, João Andrade, de onde saem muitos dos alunos para as oficinas. “Algumas são crianças introvertidas, que se marginalizam noutros contextos, e aqui têm um espaço onde, através de uma estrutura orientada, conseguem exprimir-se, aprender regras de relacionamento”.

Quem sabe se Maria e Rodrigo não farão parte do objectivo da junta, revelado por Susana. "Estas oficinas querem colocar as crianças, durante um ano, em contacto com a expressão dramática, no sentido de aqui constituirmos um grupo infanto-juvenil de teatro da freguesia”, sublinha.