20.4.23

Integrem os ciganos, são portugueses como todos os outros

João Pedro Leitão, opinião, in DN


Ser cigano em Portugal atualmente é sinónimo de discriminação, desigualdade, racismo e xenofobia, inflamado por discursos extremistas que anseiam por criar bodes expiatórios para todos os problemas de um país, afirmando uma agenda neofascista, ultraconservadora e nacionalista. Os ciganos são portugueses, têm todos os direitos, mas também todos os deveres de um outro qualquer cidadão, a nossa constituição é clara logo no artigo 13 (princípio da igualdade), não fala de branco, amarelo, azul, preto, ilustra pessoa. O princípio da dignidade da pessoa humana é o nosso artigo 1 da constituição, representando o princípio basilar de uma vida em sociedade, a dignidade.

Os ciganos já se encontram em Portugal há 500 anos, oriundos do nordeste da Índia. Iniciaram as suas viagens migratórias no século III, fazendo longas caminhadas pelo mundo, enquanto uns ficaram no mesmo país, outros eram nómadas no sentido mais literal. Dentro desta etnia, face às fixações pelo planeta, representam em si, heterogeneidade e importaram para os Estados por onde passaram, cultura e tradições únicas.

Precisamos de criar uma nova estratégia nacional para a integração das comunidades ciganas desenvolvida em conjunto com ciganos e associações de ciganos. É fundamental auscultar de forma próxima, trabalhar em cooperação, integrar, uma vez que somente assim, podemos arquitetar uma integração plena. Têm de fazer parte da solução e não do problema. É necessário velocidade na execução da estratégia nacional, não obstante, as sinergias com as comunidades ciganas são de suma importância para o seu sucesso.

Os ciganos são os mais afetados pela pobreza em Portugal, abrangendo 96% desta população e mais de 60% afirma já ter sentido discriminação, à luz do relatório da agência dos direitos fundamentais da UE. O 25 de abril está a chegar, e neste dia celebramos a igualdade, a liberdade, os direitos, liberdades e garantias, porém, para a comunidade cigana continua a imperar a desigualdade no acesso à habitação digna e acessível, à saúde, à educação e ao trabalho. Segundo dados de 2015 do IHRU, 1/3 da população cigana habita em alojamento não clássicos (32%) e ½ reside em habitação pública (46%). A dificuldade no acesso à habitação, obriga ao nomadismo, reforça a precariedade, a dificuldade de ingressar no ensino superior e prosseguir estudos, visto que não conseguem fixar-se, ter estabilidade ao nível de habitação e rendimentos. A cada expulsão, nova reconstrução. Passam a vida a reconstruir, enquanto deveriam puder escolher o seu caminho de construção.


As autarquias locais devem promover a inclusão da comunidade cigana, criando estratégias locais de integração em conjunto com a sua população cigana. Podem também criar eventos de promoção da cultura e história dos ciganos em Portugal, protagonizado por ciganos, historiadores, investigadores, professores. E, poder-se-ia dividir entre apresentações, debates, perguntas, por forma, a fomentar a participação e o interesse de todos. As autarquias locais devem criar espaços de auscultação, debate com a população cigana nos seus municípios, uma vez que somente ouvindo e registando os seus principais problemas, podemos encontrar as melhores soluções, devendo ser edificadas políticas públicas em conjunto com os seus ciganos. Os municípios em parceria com as suas freguesias devem fazer um levantamento dos seus terrenos e edifícios públicos com condições de habitabilidade e atribuir uma parte das mesmas à comunidade cigana, para que possam ter uma habitação digna e não caixotes ou barracas sem condições humanas.
É capital criar-se fóruns interculturais mundiais, nacionais e locais, em Portugal, com a missão de agregar todos os ciganos e todas as outras culturas que atualmente o nosso país acolhe, fomentando-se laços de fraternidade entre a heterogeneidade, promovendo-se a diferença, a pluralidade, vencendo a tolerância, a compreensão, a coesão intercultural e intergeracional. Devem ser integrados nos livros de história, toda a história da comunidade cigana, pois o conhecimento esvazia a ignorância e o desconhecido. O ensino superior público deve ser totalmente gratuito para que todos, inclusive os nossos ciganos possam frequentar o ensino superior sem dependerem de bolsas que não chegam a todos. É necessário acabar com as "guetizações", pulverizando a construção de nova habitação por todas as localidades. É medular criar uma profissão/carreira de mediador sociocultural em que possam ser equiparados a técnicos superiores e devemos ter mediadores ciganos que possam representar e integrar da melhor forma os seus pares. É dorsal capitalizar jovens portugueses ciganos que conseguiram atingir o sucesso e torná-los verdadeiros exemplos e influenciadores positivos das suas comunidades. Precisamos de sensibilizar as famílias ciganas para a importância da educação no acesso a mais e melhores empregos, despertando-os para a importância da formação cívica, humana e da socialização, para que haja uma verdadeira coesão social e intercultural. Devemos criar quotas para ciganos nas nossas listas legislativas e autárquicas, uma vez que reina a sub-representação e só com uma efetiva representação podemos cultivar uma cultura de integração e de coesão social. É necessário desenvolver-se junto do setor privado, parcerias que visem a integração de pessoas de etnia cigana, destarte, o Estado deve ser sempre o primeiro a dar o exemplo. É ainda dorsal, criar-se junto da população cigana, cursos de formação profissional mais abrangentes, mais práticos, que permitam um acesso rápido ao mercado de trabalho, como a título de exemplo, cursos de canalizador, eletricista, pedreiro, entre outros. Porém, é importante que seja possível fazer a escolha entre o caminho mais prático/profissional ou o mais teórico que envolva o ensino superior. Sem escolha, não há liberdade.

Sem oportunidades, não há inclusão, sem integração, há segregação, discriminação e desigualdade. Não partimos do mesmo ponto de partida, mas cabe ao Estado Social, corrigir as desigualdades e permitir que nem o céu seja o limite.

Jurista