19.4.23

Um guia para perceber a síndrome de “burnout em Portugal”: o quinto país que mais horas trabalha na OCDE

Cátia Barros,  in Expresso


O que é a síndrome de burnout? A que sinais devo estar atento? Como é que posso recuperar? O que posso fazer para evitar chegar a um esgotamento? O Expresso esteve à conversa com a psicóloga Ruth Ministro para perceber melhor a doença “resultante do stress crónico no local de trabalho"


Mais de metade dos portugueses (57%) dizem já ter estado perto de sofrer um burnout, revela o STADA Health Report 2022. Mas o que é que causa esta doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2019?

A psicóloga da clínica REACH explica que “se tem glorificado o trabalhador que é multitasking, o que fica para além da hora, o que atende sempre o telefone e responde sempre aos emails, independentemente do efeito que estes comportamentos têm”. A juntar a isto, em Portugal, segundo a OCDE, trabalha-se uma média de 39,6 horas semanais.


O que a “ciência tem mostrado”, continua a psicóloga, é que “o cérebro humano não está concebido para alternar rapidamente entre tarefas”, uma vez que isso “gera sobre-estimulação, diminuindo a produtividade e aumentando o risco de burnout”. Mas afinal o que é a síndrome de burnout?

De acordo com a OMS, é uma síndrome “resultante do stress crónico no local de trabalho que não foi gerido com sucesso”, caracterizando-se por “um sentimento de exaustão, cinismo ou sentimentos negativistas ligados ao trabalho e eficácia profissional reduzida”. Ou seja, o problema não está na necessidade de ser produtivo, “mas sim nas exigências inerentes ao conceito de produtividade”, acrescenta Ruth Ministro.

Esta é mais provável nas mulheres, uma vez que “sofrem de excesso de trabalho e de stress pela acumulação de papéis, que implicam tarefas e exigências profissionais, parentais e domésticas num grau muito superior ao que acontece com os homens”.


A QUE SINAIS DEVO ESTAR ATENTO?

A síndrome de burnout funciona como “uma resposta à exposição prolongada ao stress crónico e à carência de competências emocionais adaptativas que permitam ao indivíduo lidar com o mesmo”, explica a psicóloga. De acordo com esta especialista, há especialmente quatro níveis a que devemos estar atentos:
Físico

“Do ponto de vista físico podem surgir enxaquecas, tonturas, sensação de falta de ar, alterações nos padrões de sono e de apetite, problemas gastrointestinais, cardiovasculares, taquicardia, cansaço profundo, dores e tensão muscular.”
Emocional

Já a nível emocional, a psicóloga realça que podem surgir “sintomas de tristeza, apatia, desmotivação, frustração ou revolta, ansiedade, humor deprimido, baixa autoestima e despersonalização, e até uma visão da vida em geral mais negativa, marcada pela desesperança".
Cognitivo


A nível cognitivo, pode-se sentir uma “maior dificuldade de concentração, dificuldade na realização de tarefas, menor criatividade, menor capacidade de tomada de decisão, ruminação negativa e persistente acerca do trabalho, necessidade de controlo e hipervigilância".

Social

O esgotamento pode também afetar as relações familiares e as amizades, podendo o indivíduo nessa situação isolar-se e apresentar “menos capacidade empática, comunicação mais impessoal, crítica, sarcástica, reativa ou agressiva”. Além disso, acrescenta a psicóloga, “pode haver maior consumo de substâncias como o álcool, o tabaco, as drogas ou a automedicação".


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COMO RECUPERAR?

“Não existe uma receita única para recuperar de um burnout, cada indivíduo terá necessidades diferentes e precisará de encontrar, preferencialmente com apoio, os seus mecanismos de resposta”, explica a psicóloga. No entanto, reconhece que a primeira etapa é retirar o indivíduo do contexto gerador de stress: “é preciso perceber e reconhecer que estamos em estado de burnout e que temos que parar”. Apesar de essencial, trata-se de um “passo muito difícil de tomar”.

Outro passo fundamental é tentar procurar ajuda profissional: “se conseguirmos ouvir as nossas emoções mais difíceis e chegar às necessidades que se escondem por detrás delas, as respostas vão surgir-nos”. Com acompanhamento especializado, começa-se a “identificar o que é preciso acrescentar ou subtrair” ao dia a dia. “Revemos hábitos, rotinas, padrões de comportamento disfuncionais e tornamo-los mais saudáveis e ajustados às nossas características individuais.”

“Descansar e recuperar energia é comum a todos os casos e é a prioridade”, diz. De seguida, torna-se importante “promover a higiene do sono, rever hábitos alimentares, implementar atividade física, ter mais momentos de lazer e relaxamento, investir em interesses pessoais e ter tempo de qualidade a sós e com a nossa rede de apoio”.

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COMO EVITAR?

Evitar entrar em burnout passa por “apostar na prevenção”, uma vez que esta é uma síndrome que não “acontece de um dia para o outro, é um processo gradual, que se vai agravando”. Mas, além disso, é importante perceber que “não somos só a nossa profissão”. Interiorizar isso vai fazer com que seja mais fácil “gerir o melhor o nosso tempo e energia, procurando equilibrar a vida profissional com a vida pessoal”. Contudo, nem sempre é o mais fácil. Num ranking da OCDE, que tem em conta que o equilíbrio vida-trabalho consiste em “ser capaz de combinar compromissos familiares, lazer e trabalho”, Portugal apresenta um equilíbrio de 6,7 em 10.



Durante o período laboral, é preciso encontrar estratégias para evitar chegar a este estado, como por exemplo: “fazer um bom planeamento de tarefas, traçar objetivos e metas de acordo com o tempo de que se dispõe; definir limites; fazer pausas regulares; concentrar-se numa tarefa de cada vez e procurar ter janelas de produtividade de uma a duas horas sem interrupções, notificações e distrações”.

Já fora do trabalho, é importante ter em conta as necessidades, os interesses e as motivações pessoais. “Temos que aprender a cuidar de nós como se cuidássemos de alguém que nos é muito querido, com compaixão e gentileza, com menos culpa, autocrítica e julgamento”, explica Ruth Ministro.



Correção: título alterado às 22h59. Os dados mencionados dizem respeito ao conjunto de países que integram a OCDE e não à Europa