5.5.23

BCE desliga bazuca, exige fim imediato de apoios na energia e diz que não pode ajudar mais Portugal

Luís Reis Ribeiro, in DN



"Algumas famílias estão a sofrer porque os reembolsos aos bancos subiram com as nossas decisões", reconheceu Lagarde. "Mas isto é algo que, infelizmente, não podemos aliviar."


As taxas de juro centrais (diretoras) da zona euro subiram novamente, mas agora num registo de abrandamento, anunciou ontem (quinta-feira, 4 de maio) o Banco Central Europeu (BCE). Para compensar, a maior bazuca de dinheiro barato (o programa APP, concebido para terminar com a crise do euro, em 2014), será desligada em julho.

APP é a sigla inglesa para "programa de compra de ativos (asset purchase programme".


Terminam os reinvestimentos que têm permitido conservar no balanço do BCE quantidades monumentais de dívida pública, por exemplo.

À medida que as obrigações vencem, elas retornam ao mercado secundário, o que as pode fazer desvalorizar e assim agravar os juros dos Estados.


O BCE também mostrou grande impaciência com os apoios dos governos no campo da energia e exigiu aos governos que "suprimam já" os apoios públicos nesta área, porque ameaçam "intensificar as pressões inflacionistas".

Sobre as famílias endividadas e mais apertadas pela subida das taxas de juro (as portuguesas foram diretamente referidas pela presidente do BCE) também houve uma palavra e, descodificando, vão ter de se aguentar, porque o combate contra a inflação está primeiro. As taxas de juro vão continuar a subir durante muito tempo, reiterou Christine Lagarde, a presidente do BCE, na conferência de imprensa que se seguiu à reunião sobre taxas de juro.


Aperto vai ser longo

Como referido, as taxas de juro diretoras da zona euro voltaram a subir, com a taxa central de refinanciamento a aumentar de 3,5% para 3,75%. A taxa de depósito, que até é a mais usada pelos bancos comerciais quando precisam de pedir emprestado ao BCE, aumenta para 3,25%.


Este novo aumento de 0,25 pontos percentuais (p.p.) traduz-se num abrandamento no ritmo de aperto monetário, mas o aperto continua.

E durante "muito tempo", porque o cenário para a inflação assim o diz. Vai continuar "demasiado alta" e não se vê fim à vista, diz a autoridade sediada em Frankfurt, na Alemanha.

Extinção gradual da bazuca

Em comunicado, o BCE afirma que "quer" terminar já em julho, o enorme programa de expansão monetária (compras de dívida pública sobretudo, mas privada também) que lançou para combater de forma mais musculada a crise que ainda pairava sobre a zona euro, no final de 2014.

A descontinuação da chamada fase de reinvestimento do gigante programa APP ainda estava em aberto. Mas agora o BCE é mais claro: acaba em julho.

Ou seja, vai começar a desfazer-se das obrigações do Tesouro que conserva no balanço por via do "reinvestimento", devendo os referidos títulos voltar ao mercado aberto, o que pode pressionar em alta as taxas de juro da dívida.

Seja como for, este processo de extinção do APP "deve durar 15 anos", disse a presidente do BCE, Christine Lagarde, em conferência de imprensa, já que estamos a lidar com títulos de maturidades longas, ou seja, vão vencendo gradualmente ao longo de muito tempo.

Mas as taxas de juro soberanas continuam a subir. Só para se ter uma ideia, há um ano, em abril de 2022, a taxa de juro média da dívida soberana portuguesa a dez anos estava em 1,76%, mas no mês passado era quase o dobro (3,2%), indica o Banco de Portugal (BdP).

Para países muito endividados, como Portugal, é um problema e pode aumentar a pressão nas contas públicas.

No campo das políticas orçamentais, Lagarde mostrou mais impaciência ainda com as medidas de apoio às famílias e empresas contra os custos da energia. Em março, Lagarde disse que "é importante começar a descontinuar essas medidas sem demora".

Ontem, trouxe tal exigência mais para cima no discurso e avisou: "com o desvanecimento da crise energética, os governos devem suprimir imediatamente e de forma concertada as medidas de apoio relacionadas, a fim de evitar intensificar as pressões inflacionistas a médio prazo, o que exigiria uma resposta mais forte da política monetária".

O momento Portugal

As famílias portuguesas, espanholas ou finlandesas que se endividaram junto dos bancos e assinaram contratos de crédito indexado a taxas de juro variáveis (Euribor) "estão a sofrer" diretamente o impacto das subidas de taxas decididas pelo BCE, mas "infelizmente, não as podemos aliviar", disse Lagarde.

Portugal, Espanha e Finlândia são países da zona euro onde a taxa de prevalência de novos empréstimos indexados a taxas variáveis bastante superior face aos pares.

Dados do próprio BCE obtidos pelo Dinheiro Vivo mostram que, atualmente, em Portugal, os novos empréstimos para compra de casa indexados a taxa de juro variável equivalem a 67% do total de novos contratos. O quinto maior valor da zona euro. A Finlândia lidera este ranking, com 98% do total de novos negócios hipotecários indexados a taxas variáveis. A média da zona euro está nuns meros 24%.

Lagarde foi questionada sobre isto e respondeu: "Claro que estamos cientes que há famílias que contrataram empréstimos a taxas variáveis." "Em países como Finlândia, Portugal, Espanha, é verdade que algumas famílias estão a sofrer, porque os reembolsos [amortizações e juros] que têm de honrar junto dos bancos subiram em resultado das nossas decisões em aumentar as taxas de juro diretoras", reconheceu a chefe máxima do BCE.

"Isto é algo que nós, infelizmente, não podemos aliviar ou atenuar, porque a nossa tarefa é alcançar a estabilidade de preços e reduzir a inflação", justificou a banqueira central. E não desarmou: "A nossa tarefa é reduzir a inflação e para isso temos de usar as taxas de juro".

Luís Reis Ribeiro é jornalista do Dinheiro Vivo