8.5.23

Como se lida com reclusos “radicalizados” na UE? Portugal não tem programa específico

Ana Cristina Pereira, in Público online

“O regime específico aplicável deve respeitar os mesmos direitos humanos e obrigações internacionais concedidos a qualquer recluso”, escrevem autoras de relatório europeu.

No seio da União Europeia cresce a inquietação com a “radicalização”, entendida como adesão a ideologia extremista que pode conduzir a actos terroristas. Diversos Estados-membros desenvolveram acções de “desradicalização” nas prisões. O sistema prisional português diz que, pelo menos para já, não detectou quaisquer sinais de "radicalização" e, por isso, não desenvolveu qualquer programa.

A Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (LIBE) do Parlamento Europeu é que pediu ao Departamento de Políticas para os Direitos dos Cidadãos e os Assuntos Constitucionais um relatório sobre condições de detenção. As autoras, Julia Burchett, da Universidade de Bruxelas, e Anne Weyembergh, na Universidade Livre de Bruxelas, não se ficaram pela sobrelotação e outros temas repetidos.

“Há cada vez mais reclusos extremistas — isto é, condenados por delitos relacionados com o terrorismo e condenados por delitos comuns que se radicalizaram na prisão — e estes têm origens mais diversificadas e mais ampla variedade de sentenças, muitas de relativa curta duração”, observam no documento. Ora, tal combinação torna a gestão “mais urgente e desafiante”.

As baixas taxas de reincidência neste tipo de crimes não bastam para sossegar quem se ocupa deste tema. Pelo menos cinco ataques jihadistas perpetrados no espaço comunitário (Áustria, Alemanha, Reino Unido quando membro) envolveram pessoas que já tinham estado encarceradas por terrorismo ou acabado de sair de uma prisão. Esses episódios “reacenderam o debate sobre a necessidade de avaliar a eficácia dos programas de ‘desradicalização’”.

Ao que se lê no relatório “Prisões e condições de detenção na UE”, como este assunto é da competência dos Estados-membros, “as instituições europeias limitam-se a definir prioridades de trabalho, orientações e recomendações”. “Embora reconheça a necessidade de estabelecer diferentes regimes de detenção para prevenir a ‘radicalização’ nas prisões, o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos e Degradantes sublinha que esses regimes devem respeitar os mesmos direitos humanos e as mesmas obrigações internacionais garantidas a qualquer recluso”.
O caso da França

Segundo Burchett e Weyembergh, diferentes estratégias têm sido testadas pelos serviços prisionais dos Estados-membros que mais lidam com esta realidade. Há os que apostam na dispersão, os que optam pela concentração e os que preferem isolamento. A maioria caminha para um “regime misto”. Nalguns “emergem preocupações”.

A França, por exemplo, criou seis unidades para avaliar o grau de “radicalização” e seis unidades para o tratamento da “radicalização”. Uma vez avaliado o risco, decide o regime de detenção adequado. O Comité Europeu para a Prevenção da Tortura visitou algumas unidades em 2019. Felicitou o facto de disporem de pessoal treinado e condições adequadas. Notou, todavia, insuficiente actividade disponível. E questionou o facto de as medidas de segurança mais restritivas serem aplicadas a todos.

“No sistema prisional português não se detectaram, até ao presente momento, fenómenos ou sinais de radicalização islâmica ou outra. Esta direcção geral não tem em execução qualquer programa específico de ‘desradicalização’, uma vez que, como se referiu, não há, por ora, matéria substantiva para tal aplicação.” Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

As autoras do relatório dão conta de queixas semelhantes sobre unidades exclusivas criadas na Bélgica. Vários reclusos apresentaram queixa no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Aquela entidade condenou a França por não terem qualquer hipótese de recurso judicial para contestar a decisão de colocá-los em tais unidades. Agora, “estas unidades quase não têm reclusos”.
Nova estratégia em Portugal

Questionada pelo PÚBLICO, a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) informa que “no sistema prisional português não se detectaram, até ao presente momento, fenómenos ou sinais de radicalização islâmica ou outra”. “Esta direcção geral não tem em execução qualquer programa específico de ‘desradicalização’, uma vez que, como se referiu, não há, por ora, matéria substantiva para tal aplicação.”

O tema está na ordem dia. No dia 3 de Maio, foi publicada a nova Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo, que assenta em quatro eixos (prevenir, proteger, perseguir e responder) e deverá ser concretizada através de planos de acção. Aí se expressa que Portugal deverá “continuar a participar activamente nos esforços europeus e internacionais de combate à radicalização, aos extremismos violentos e à sua expressão agravada, o terrorismo”.

“A área governativa da Justiça tem estado atenta a este fenómeno, designadamente através da participação da PJ e da DGRSP em actividades da Radicalization Awareness Network/Rede de Conhecimento da Radicalização, da União Europeia”, informa o Ministério da Justiça. No âmbito da nova ENCT, “a PJ e a DGRSP cooperarão, sempre que necessário, no desenvolvimento de acções específicas com vista à detecção e o controlo de detidos e presos com risco de envolvimento em condutas relacionadas com o terrorismo e o seu financiamento”.

Embora até à data o sistema prisional não tenha “quaisquer indícios de fenómenos de radicalização islâmica ou outra”, essa hipótese está presente. “Sem prejuízo da não detecção desses indícios, a DGRSP articula com outros serviços do Estado e com organismos internacionais políticas de vigilância e de detecção deste fenómeno, mantendo-se a vigilância atenta e activa caso surja matéria substantiva que justifique a adopção de medidas adicionais”.

Normas mínimas

O relatório europeu debruça-se sobre outros aspectos relacionados com as condições de detenção, dando atenção à velha questão da sobrelotação. “É importante abordar as causas profundas do problema das más condições de detenção através de uma abordagem abrangente/holística que leva em consideração todas as medidas de justiça criminal relevantes que influem decisivamente no fluxo do encarceramento e envolvem todos os actores relevantes.”

No fim, as investigadoras recomendam que se pondere a possibilidade de adopção de um instrumento legislativo que estabelecesse normas mínimas da União. E que se desenvolvam indicadores comuns para medir a sobrelotação prisional e o acesso a medidas alternativas à prisão.